Dom Casmurro é um dos personagens mais marcantes de toda a obra de Machado de Assis. O livro, homônimo do personagem, é considerado por muitos críticos como a obra prima de Machado junto com outro de seus livros, ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’. Traduzido para diversos idiomas, o romance Dom Casmurro, publicado em 1899, tem sido lido e analisado sob diversas óticas, entre elas, psicológicas, psicanalíticas e sociológicas.
Agora o professor, escritor, tradutor e revisor Guaracy Andrade, mestre em letras pela Ufam, acaba de lançar o livro ‘A trajetória do narrador de Dom Casmurro – do romance ao cinema’. Em seus escritos, Guaracy analisa o comportamento de Bento Santiago, o Dom Casmurro, em suas três fases da vida, no romance; com o protagonista do cinema, no filme Dom, de 2003, de Moacyr Góes. Ao analisar os dois personagens, Guaracy pretende abordar as categorias da transtextualidade proposta por Gérard Genette, identificando as relações transtextuais entre filme e romance para contar a trajetória do narrador tanto multifacetado em seus sentimentos quanto ambíguo em seu comportamento.
“O interesse por abordar a obra ‘Dom Casmurro’ surgiu quando eu ainda estava fazendo o curso de letras, na Ufam. É uma obra canônica, de um dos melhores escritores mundiais, e o que mais me chamou a atenção foi a teia psicológica que Machado de Assis faz com o leitor. A obra é emblemática por tratar de temas corriqueiros, que sempre chamam a atenção do leitor, tais como a amizade e o casamento”, explicou o autor.
O livro e o filme
Bento Santiago era filho de d. Glória, uma mulher bondosa. Ela havia perdido seu primeiro filho e fez uma promessa a Deus, que se lhe concedesse um filho vivo, esse iria para o seminário. Nasceu Bento que, quando tinha 15 anos, foi lembrado pela mãe que havia de cumprir a promessa por ela feita. Mas Bento era amigo de infância de Capitu, por quem se apaixonara. Juntos, Bento e Capitu buscam formas para evitar a separação que viria com a ida dele para o seminário.
“O significado em mostrar o Dom Casmurro do romance e o do filme é fazer essa comparatividade de versões da obra primeira que é o livro. As versões para o cinema mostram outro/novo olhar sobre a obra. A partir daí, o estudo das duas modalidades interartes mostra vários significados através de diversos contextos e interpretações”, disse.
A primeira versão de Dom Casmurro para o cinema é o filme ‘Capitu’, de 1968, do diretor Paulo Cezar Saraceni e a segunda versão, objeto de estudo de Guaracy, é o filme ‘Dom’.
“Escolhi a última versão cinematográfica por ser mais moderna e contextualizada com a realidade atual. A primeira versão tentou ser muito fiel à obra e pecou muito. Já a segunda é uma ‘inspiração’ da obra de Machado”, concluiu.
É fato que os roteiros de cinema quase sempre são diferentes das obras literárias, por que quando se faz a passagem do livro para o roteiro adaptado até chegar à filmagem pelo diretor, várias interpretações são feitas. O diretor tem certa ‘liberdade’ para criar em cima da obra, já que o cinema possui uma linguagem diferente da literatura.
“Não é melhor, nem pior. É só diferente e, em tempos de visualização, alcança um público maior. Mas isso não desmerece nem um, nem outro. O livro é uma das mais importantes obras de ficção da literatura brasileira. O filme é bom, é um desafio para o cinema de adaptação no Brasil”, falou.
Um escritor atemporal
É comum, nas escolas brasileiras de ensino fundamental, e até médio, professores indicarem livros de Machado de Assis para serem lidos pelos alunos, no que Guaracy discorda totalmente.
“É um erro, pois Machado é um escritor para adultos muito bem vividos. Na sua obra, seus personagens são adultos e sofrem os problemas dos adultos: dor de cotovelo, traição, inveja, ironia, deslealdade, melancolia, ilusão e desamor. São coisas difíceis de um adolescente de 15 anos já ter vivido e ter que entender o jogo psicológico que é feito diante desses sentimentos. Ou o adolescente não entende, por que não vivenciou tais experiências, ou acha a leitura chata e enfadonha. Lembrando que a linguagem arcaica do século 19 não é empecilho para se entender uma obra, pois é possível entender também pelo contexto”, esclareceu.
Para Guaracy, os personagens de Machado são marcantes porque são fortes psicologicamente falando. Não são óbvios e representam o que há de mais íntimo nas pessoas comuns do dia a dia. São personagens reflexivos, falhos, mascarados (como nas redes sociais) e muito humanos.
“O leitor machadiano se vê nos anseios e angústias dos seus personagens”, completou.
Machado de Assis é um romancista atemporal, por isso considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos. É o escritor brasileiro mais estudado no exterior. Sua obra está entre as melhores já escritas na literatura universal.
“É por isso que até hoje, a polêmica do ‘enigma de Capitu’, se ela traiu ou não Bentinho, ainda perdura”, finalizou.
O lançamento de ‘A trajetória do narrador de Dom Casmurro’ está previsto para dezembro, mas já é possível adquirir o livro físico ou e-book na Amazon (Kindle), Magazine Luiza, Saraiva, Submarino, Google Play, Apple Books, e na loja da Editora Dialética, ou através do WhatsApp do autor: 9 9228-4096.
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