A Grande Depressão de 1929 foi a primeira e mais profunda crise sistêmica mundial no modo de produção capitalista. Até então se aceitava, enquanto modelo econômico dominante, a ideia do laissez-faire, onde a “livre iniciativa individual” (empresarial) no mercado encontraria o ponto máximo de “satisfação”, evitando-se assim a intervenção, regulação ou controle do Estado na atividade econômica. Daí pode-se afirmar que a máxima do liberalismo econômico é que toda a oferta cria na mesma proporção a sua procura (Lei de Say).
Da virada do século XIX para o XX, os EUA já haviam conquistado a dianteira da corrida econômica. Em decorrência da derrocada e crescente fragmentação econômica e política de muitos países europeus, afogados em guerras de conquista de novas colônias, foram abertos os caminhos para a expansão dos EUA.
Estruturados em torno de um modelo de desenvolvimento alicerçado no mercado interno e na forte industrialização, os EUA conseguiram criar um sistema econômico liberal integrado: um sistema industrial, mercantil, agrário e financeiro estruturado e interdependente.
Nesses termos, a ideias de uma “depressão sistêmica” estava aparentemente bem distante daquela realidade, pois a predominância teórica era em torno da economia liberal, da livre concorrência no mercado e da ausência do Estado.
Ocorre que de um crescimento econômico espetacular, a economia norte-americana caiu em uma crise sistema mundial sem proporções para o capitalismo mundial. Vejamos o que diz Paulo Sandroni: “A crise iniciou-se no sistema financeiro na chamada Quinta-Feira Negra (24/10/1929), que a história registra como sendo o primeiro dia de pânico na Bolsa de Nova York. Era um momento de intensa especulação na Bolsa, e a economia norte-americana estava em plena prosperidade. De repente, 70 milhões de títulos foram jogados no mercado sem encontrar uma contrapartida da demanda. A desconfiança com os acontecimentos da Bolsa espalhou-se para outros ramos da atividade econômica, atingindo a produção. A queda da renda nacional levou a uma retração na demanda, ao aumento dos estoques e à vertiginosa queda dos preços. Muitas atividades econômicas foram se paralisando, e, como uma bola de neve, sucederam-se as falências e milhões de trabalhadores ficaram desempregados”
No entanto, a Grande Depressão de 1929 não se limitou tão-somente ao território e a econômica norte-americana. Como o modo de produção capitalista é um fenômeno global, que se efetiva a partir da integração internacional da produção e dos mercados, a crise se propagou de forma imediata em todos os continentes, provocando, assim, um “efeito dominó” na economia internacional, exceto na União Soviética.
Como uma forma de tentar reerguer as economias nacionais, especialmente a norte-americana, surge a proposta do economista John Maynard Keynes, autor de A Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda. De acordo com as suas formulações, a economia capitalista do Laissez-faire é extremamente frágil, inseguro e vulnerável às suas próprias crises. Desse modo, apenas a ação do mercado não bastaria para manter o “equilíbrio” das relações econômicas gerais. Seria necessário criar mecanismos de regulação estatal na economia. Isto é, o Estado serviria como uma instituição planejadora a fim de se evitar crises sistêmicas, na medida em que poderia fazer uma política fiscal, monetária e de emprego articulada com o mercado. A idéia de que o mercado deve ser o protagonista da atividade econômica (liberalismo clássico) dá lugar à ideia de Keynes, de que o Estado deve, ao lado do mercado, protagonizar a atividade econômica. Aí está o espírito da chamada revolução keynesiana.
De qualquer modo, a revolução keynesiana não se estabeleceu apenas no plano das ideias econômicas, in abstracto. Pelo contrário, influenciou a adoção do New Deal, que pode ser traduzido no plano prático como um conjunto de políticas econômicas destinadas a liberação de investimentos para o setor produtivo com o propósito de reativar a atividade econômica: financiar obras públicas; desvalorização do dólar para favorecer a exportação; novas relações trabalhistas; adoção de um novo programa industrial; nova política agrícola com incentivo e acesso ao crédito; modernização e revitalização da infra-estrutura urbana, habitacional, entre outras iniciativas.
A política de inspiração keynesiana obteve enorme êxito. Tanto que vários países adotaram, em comum acordo com a sociedade civil, planos de desenvolvimento com a intensa participação do Estado na atividade econômica.
No Brasil, por exemplo, adotou-se, após a Revolução de 1930, uma política análoga à política econômica norte-americana, de incentivo a industrialização de base, de bens de consumo e de capital. Neste momento inicial da industrialização brasileira, a participação do Estado foi de suma importância, à proporção que criou mecanismos e instituições capazes de agir em prol do desenvolvimento econômico planejado.
Para a economia brasileira, a Grande Depressão foi vital, na medida em que forçou um processo de renovação da economia outrora alicerçada no café (rural) para uma economia industrial e comercial (urbana). Em outras, palavras: se viabiliza, via mercado, um processo de acumulação capitalista mais intensa.
O fato é que no Brasil a intervenção do Estado na economia não se limitou em ser o protagonista do processo de modernização econômica, possibilitou igualmente uma política de urbanização, eletrificação, saneamento básico – obras públicas em geral –, pois se formara uma classe trabalhadora urbana reivindicadora dos seus direitos trabalhistas, sociais e políticos.
Nesse sentido, a lógica de planejamento estratégico se consolidou nas economias nacionais. Abandou-se a velha tese de que o mercado por si só é capaz de atuar na atividade econômica, e passou-se a adotar as medidas comuns de que o Estado pode ser uma instituição que facilita a política de planejamento econômico nos mais diferentes níveis.