23 de novembro de 2024

Dilemas da recuperação econômica de curto e médio prazos

Os caminhos de curto e médio prazo para a recuperação da economia brasileira – que ainda vive sob o espectro de uma eventual segunda onda de casos de covid-19 – ficaram mais estreitos
Dilemas da recuperação econômica de curto e médio prazos

A cadente margem de manobra nas contas públicas para prosseguir com estímulos econômicos foi agravada por uma nova rodada de desentendimentos entre setores do governo federal, e hostilidades entre o Ministério da Economia e a Câmara dos Deputados, na semana passada. O cenário ajudou a desidratar as expectativas dos agentes de mercado, que reduziram suas apostas no PIB e renovaram projeções negativas para inflação e dólar, conforme a pesquisa Focus do BC, divulgada nesta segunda (5). 

Para analistas de mercado ouvidos pelo Jornal do Commercio, em que pesem a permanência de variáveis macroeconômicas, como inflação e juros, em níveis mais confortáveis, as incertezas aumentaram nos últimos dias – especialmente com as idas e vindas em torno do novo programa federal de renda mínima. A conclusão é que os caminhos de curto e médio prazo para a recuperação da economia brasileira – que ainda vive sob o espectro de uma eventual segunda onda de casos de covid-19 – ficaram mais estreitos. 

O economista da CM Capital, Alexandre Almeida, concorda que os juros apresentam trajetória decrescente há tempos, em razão da menor taxa inflacionária pós recessão de 2015/2016 – de 10,7% para 6,3% anuais, respectivamente. E assinala que, antes da pandemia, o entendimento do mercado apontava para a necessidade de um avanço fiscal maior, com as reformas Administrativa e Tributária já engatilhadas, após a vitória da Previdenciária no ano anterior. 

“O cenário era benéfico ao crescimento. Entretanto, o nível de emprego ainda sofria efeitos colaterais da recessão de 2015/2016, sobretudo em relação ao trabalho informal, que vem crescendo substancialmente. No momento atual, vivemos uma mudança drástica, pois o quadro de covid-19 causou profundo abalo na atividade nacional. Ainda que as expectativas de queda do PIB para este ano já tenham sido mais pessimistas, esperamos uma retração de 3,5% na atividade econômica brasileira”, frisou. 

Segundo o economista, a despeito da recuperação na indústria e no varejo, os juros voltaram a cair, contrariando decisão anunciada anteriormente pelo Banco Central porque este entende que a situação atual é “excepcional” e é necessário incentivar a reativação da atividade econômica. A própria inflação perto de “patamares deflacionários” em alguns meses, confirmaria isso.  

“Apesar de não ter sinalizado o fim do corte de juros, o Banco Central já apresenta espaço bastante limitado, de forma que a inflação já vai retomando o passo da recuperação da atividade. Isto compreende manutenção da Selic em 2%, até o final de 2021, quando projetamos elevações marginais. A inflação projetada para o final e 2020 é de 2,5%, dentro do limite inferior do sistema de metas de inflação. Para o próximo ano, o centro da meta deverá cair de 4% para 3,75%. Por isso, projetamos um IPCA de 3,2%”, explanou. 

“Sem direcionamento”

Alexandre Almeida considera que, no curto prazo, a inflação continuará a apresentar pressões em virtude da alta de alimentos, influenciados pelo preço dos grãos. Mas, ressalta que a pressão deve diminuir a partir do início do próximo ano. A “grande questão” que se levanta no momento, de acordo com o economista, diz respeito às contas públicas para 2021. 

“Ainda não parece haver direcionamento sólido, levando em consideração que as discussões acerca da reforma Tributária continuam, e o mercado sinalizou preocupação com a possibilidade de utilizar o dinheiro do precatório e do Fundeb, para financiar o programa que substituirá o Bolsa Família. O cenário de 2021 diz respeito apenas à recuperação do que foi destruído no primeiro  semestre de 2020, por conta da pandemia. Todas as complicações anteriores continuam vigentes, com cenário fiscal ainda bastante nebuloso e mercado de trabalho ainda apresentando fraqueza”, analisou. 

Concentração e “bancarização”

Já o contador, economista e professor da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), Diogo Carneiro, ressalta que o crédito deve seguir “na mesma toada” dado que, embora a premissa conceitual aponte que a política de juros baixos favorece os financiamentos na ponta, o mercado brasileiro ainda é “muito bancarazido” e “extremamente concentrado” – com cinco empresas respondendo por 85% do volume. 

“A mudança no custo do dinheiro não é repassada ao consumidor, sendo que isso é agravado pelo atual cenário de incerteza. Os juros já estão historicamente baixos no Brasil. Teríamos alguma melhoria apenas no longo prazo, com essas novas medidas que estão ligadas à tecnologia, como open banking, além de aumentar a concorrência no setor”, pontuou.

Incerteza é justamente a palavra chave do momento, conforme o professor da Fipecafi. Especialmente quando se fala de emprego, consumo e investimentos. Embora a insegurança seja global – com o acirramento da disputa EUA x China e a eleição norte-americana, entre outros fatores –, no Brasil a questão é mais sensível, dadas as fragilidades internas do país. 

“Temos toda essa volatilidade política e ninguém acredita mais que o governo está comprometido, de fato, com a austeridade fiscal. Não existe um plano de longo prazo para o investidor saber o rumo de longo prazo e se balizar. Cada dia vem um discurso diferente, vai, recua… Quem poderia colocar dinheiro aqui vai fugir, diante de um cenário de baixo retorno e risco elevado, e migrar para portos mais seguros”, lamentou.

Incertezas e desemprego

A consequência da saída de recursos é um impacto real no câmbio e na inflação de commodities. Poderia ser um desdobramento positivo, avalia Diogo Carneiro, se a dinâmica implicasse também na elevação na oferta interna de produtos e a consequente queda nos preços pela concorrência, Mas, o que tem sido visto recentemente é o efeito inverso, com o encarecimento da matéria-prima e do processo industrial, com reflexos no preço final da mercadoria. Da mesma forma, o especialista não vê nenhuma retomada significativa ou “robustez” no indicador de emprego. 

“Essa é, tradicionalmente, a variável mais rígida da economia, sendo a última a cair e a última a se recuperar, especialmente no caso dos postos de trabalho formais. Acho que o desemprego vai continuar horroroso, ainda mais porque essa questão do Renda Brasil, ou Renda Cidadã, é complicada. Não consigo enxergar eles encaixarem isso no orçamento, sem ter alguma manobra ou coisa diferente. O equilíbrio fiscal foi comprometido, então é difícil aumentar o consumo, que está ligado ao emprego. E o investimento vai continuar patinando, por conta de o governo não sinalizar os caminhos para o setor privado e fazer sua parte”, encerrou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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