Houve uma época, antes da chegada das grandes sapatarias a Manaus, que os manauaras mandavam fazer seus sapatos nos sapateiros, e eram estes que promoviam os devidos consertos e remendos naqueles até não servirem para mais nada. Mas a industrialização dos sapatos levou estes artesãos ao ostracismo tanto que no dia 25 passado foi comemorado o Dia do Sapateiro, e ninguém lembrou, nem mesmo Renê Botelho Simões, que há quase 40 anos aprendeu a fazer sandálias, e consertar sapatos, e até hoje ganha a vida e sustenta a família com este ofício.
“Comecei com onze anos de idade trabalhando com meu tio Francisco Carlos, que fazia sandálias de couro. Ele tinha aprendido aquele serviço com um amigo, que fazia bolsas. O amigo continuou na produção de bolsas e meu tio se direcionou para as sandálias, masculinas e femininas, para não competirem com os mesmos produtos. Eu ajudava realizando pequenos serviços de acabamento”, recordou.
Com 13 anos, Renê passou de ajudante a vendedor de sandálias, em incursões que ele realizava no Centro da cidade, com um olho nas vendas e o outro no aprendizado de confeccionar sandálias.
“Quando eu estava com 19 anos resolvi que era hora de trabalhar só, com minha própria oficina. Já sabia o suficiente para produzir sandálias e cintos, como meu tio”, falou.
Mas o começo não foi fácil, como Renê imaginou. Foi então que ele conheceu o lado sapateiro, indo trabalhar numa banca na praça da Matriz, porém, a concorrência com outros sapateiros fez com que ele ficasse apenas um ano naquele serviço e voltasse para a oficina do tio Chico.
Manaus sem curtumes
Renê trabalhou quatro anos com o tio e, como todo empreendedor, voltou a tentar um vôo solo. Abriu uma nova oficina, a Só Couro, desta feita para não mais fechá-la, tanto que 23 anos depois o artesão tem dois pontos de venda onde suas sandálias e cintos são vendidos de domingo a domingo.
Renê recorda que, quando começou, o couro utilizado pelo tio era comprado no Curtume Canadense, no bairro de São Raimundo, próximo de onde moravam e trabalhavam.
O Curtume Canadense foi o último, dos vários que existiram em Manaus, a fechar suas portas. A empresa era de uma época onde o couro de qualquer animal da floresta, onças, jacarés, entre outros, podia ser curtido e vendido livremente, até a proibição, em 1967, quando muitos curtumes fecharam, restando o Canadense, que continuou curtindo couro bovino por vários anos.
“Quando comecei, o Curtume Canadense não funcionava mais, mas um amigo me indicou um curtume de Monte Alegre/PA, onde ele comprava, e desde então é de lá que vem o meu couro. Eles mandam as peças, que pesam de três a quatro quilos. Se forem sandálias simples, dá pra fazer 15 pares”, falou.
E Renê ainda recicla pneus de bicicleta, utilizados no solado de suas sandálias.
“São pneus usados, adquiridos de oficinas, dos quais os arames são retirados. Cada pneu dá três pares de solado”, disse.
Depois de prontas, as sandálias e os cintos fabricados por Renê têm a mesma qualidade e preços dos industrializados, com um diferencial: são artesanais. O cliente pode até dar dicas de como gostaria de ter sua peça e, dentro das possibilidades, o artesão atende.
Sem grande estrutura, mas com uma linha de produção organizada, Renê chega a fabricar cerca de 300 pares de sandálias/mês, mais cinturões.
“Só tenho uma máquina para cortar o couro em tiras e uma faca para cortar os solados. O resto é acabamento, pintura e brilho com cera”, destacou.
Sempre artesanais
Atualmente Renê possui dois pontos de venda da Só Couro. Um fica na rua Guilherme Moreira, em frente à loja Tropical Festas. Funciona de segunda a sábado e quem atende é Rose, esposa de Renê. O outro ponto atende aos domingos, na Feira de Artesanatos da Eduardo Ribeiro, onde Renê atende junto com a filha, Tamires.
“Trabalho de segunda a sexta-feira, na oficina, produzindo as sandálias e cintos para abastecer os pontos de vendas. Não me interessa vender para as grandes sapatarias porque elas querem adquirir imensas quantidades e pagando bem pouco. Também já me falaram para abrir quiosques em shoppings, mas não é meu foco. Os custos de um quiosque são altos, custos estes que eu não tenho nos dois pontos de vendas que, da mesma forma, vendem diariamente toda a minha produção”, afirmou.
Sem falar que Renê preza para que seus produtos continuem sendo artesanais como diferencial dos industrializados.
“Grande empresário não, empreendedor satisfeito com o que faz e ganha”, afirmou.
Quanto ao tio Chico, ele continua até hoje com sua oficina, e Sandro, irmão de Renê, ensinado por Renê, também montou sua própria oficina de sandálias e cintos.
“O diferencial nosso é nas cores. As dele são diferentes das que eu uso porque as minhas cores eu mesmo crio e são exclusivas”, riu.
Contatos com Renê: 9 9109-3649.