A despeito do aumento da inflação de produtos básicos, o Copom (Comitê de Política Monetária) manteve a taxa Selic em 2% ao ano, em reunião concluída nesta quarta (28). A decisão foi unânime e veio em sintonia com as expectativas da maior parte dos analistas financeiros. Comunicado do Banco Central, contudo, dá a entender que a porta para novos cortes ainda está entreaberta.
Entre as lideranças classistas ouvidas pelo Jornal do Commercio, a percepção dominante é que o movimento do BC não gera grandes desdobramentos para a economia e seus respectivos setores, dadas as incertezas em relação a uma segunda onda de covid-19, e diante do virtual esgotamento dos efeitos da rebaixa de juros em um ambiente recessivo e com a retirada de estímulos anticíclicos já programada.
Em nota, o Copom informou que, apesar da alta observada no preço dos alimentos e de itens industriais, o efeito sobre a inflação será temporário. O órgão, no entanto, aumentou a projeção para a inflação oficial em 2020, de 2,1% em setembro para 3,1%. O cenário vislumbrado pela autoridade monetária supõe a manutenção dos juros básicos em 2% ao ano e dólar em torno de US$ 5,60.
Sobre as perspectivas econômicas, o comunicado do BC ressaltou que a segunda onda da pandemia em nível global está desacelerando a velocidade de retomada em diversas economias. No cenário interno, o Copom informou que a recuperação segue desigual, conforme os setores da economia, e que a incerteza permanece acima da usual, sobretudo com a redução do auxílio emergencial e as perspectivas do encerramento do programa, em 31 de dezembro.
Com a decisão de ontem, a Selic se manteve no menor nível desde o início da série histórica do Banco Central, em 1986. Em julho de 2015, a taxa chegou a 14,25% ao ano. Em outubro de 2016, o Copom voltou a reduzir os juros básicos da economia até que a taxa chegasse a 6,5% ao ano em março de 2018. Em julho de 2019, a Selic voltou a ser reduzida até alcançar 2% ao ano em agosto deste ano.
“Sem diferença”
No entendimento do presidente da FCDL-AM (Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Amazonas), Ezra Azury, a decisão do Copom é menos importante para a microeconomia, do que para a macroeconomia, sendo virtualmente inócua para as empresas, dadas as dificuldades de repasse nos bancos, o esgotamento dos recursos iniciativas como o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte). O dirigente considera que os impasses em torno da reforma Tributária são mais preocupantes para o setor do que o término da validade do auxílio emergencial.
“Não faz muita diferença para o dia a dia das empresas, se a taxa fica em 2% ou em 1,5%. Os cortes de juros são sempre bem vindos, mas demoram muito para chegar na ponta. As empresas têm dificuldade de pegar dinheiro emprestado, mesmo com as taxas mais baixas, e o dinheiro do Pronampe fica na mão de poucos. Sobre o auxílio emergencial, sempre computei que a roda da economia vem girando, em parte, pela concessão do benefício. Quando terminar, as pessoas vão ter de viver de outra maneira e conseguir mais empregos. Seria muito bom se, até lá, já tivéssemos uma reforma Tributária para um 2021 melhor”, avaliou.
“Sem problemas”
Para o presidente da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas), Antonio Silva, a atitude do Banco Central foi prudente, em face das incertezas ainda latentes no desempenho geral da economia. O dirigente entende que a manutenção do índice no atual patamar ainda estimula o crédito e incentiva o setor produtivo, além de incentivar o consumo e o giro da roda da economia.
“Acho que a decisão do Copom é acertada, em virtude da situação atual da economia nacional e mundial, ainda grandemente afetada pela pandemia. Com relação aos efeitos dessa manutenção dos juros, não vejo problemas em relação a questão financeira das empresas do meu setor. Esperamos que, nos próximos meses, continuemos em tendência de alta nas variáveis econômicas”, ponderou.
“Decisão conservadora”
Na mesma linha, e em sintonia com o teor do comunicado do Banco Central, o presidente da Faea (Federação da Agricultura e Pecuária do Amazonas), Muni Lourenço, considera que decisão de segurar novamente a taxa básica de juros foi um gesto de extrema cautela, em meio ao repique da crise sanitária e econômica decorrentes da pandemia da covid-19.
“Já era esperada essa decisão conservadora do Copom de manutenção dos juros, após uma sequência de reduções. O cenário econômico futuro ainda é incerto e dependerá muito da pandemia. Nosso setor está cumprindo com o abastecimento de alimentos, com o superávit da balança comercial e com geração de emprego e renda”, asseverou.
Estímulo e reequilíbrio
Já o presidente do Sinduscon-AM (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Amazonas), Frank Souza, considera difícil dizer se a decisão do Copom foi certa ou errada. O dirigente avalia que a conservação do custo do dinheiro em um patamar comparativamente mais baixo é positiva para as vendas do setor, mas passa ao largo da necessidade de reequilibrar os custos das empresas, dada a escalada da inflação nos custos dos insumos da atividade, que já se reflete no IGP-M (Índice Geral de Preços – Médio) – a “inflação do aluguel”.
“A verdade é que realmente há um antagonismo entre a decisão do Banco Central e a realidade. Hoje, temos os preços subindo, o IGP-M alto, por um lado, e a manutenção dos juros, por outro. Para a construção civil é ótimo, dado o impacto nos financiamentos imobiliários, e acho que a tendência é que os juros se mantenham baixos. A tendência de o cliente pagar menos nas prestações estimula o setor. Mas, vai ter que haver, em algum momento, um reequilíbrio nos preços contratados das obras”, arrematou.