22 de dezembro de 2024

Um exercício planetário de resiliência (parte final)

Uma das assertivas do Prof. Dr. Kenneth Pargment que mais me chamou atenção, foi a que temos que entender que a Covid-19 não afetou/afetará somente as pessoas que estão ao nosso redor. De forma maior, ou menor, você, leitor, como as pessoas que se envolveram na ajuda ao próximo, todos nós, ao enfrentarmos nossas próprias lutas existenciais e espirituais, fomos/estaremos abalados até o âmago, podendo, muitos, sentirem-se quebrados, ou feridos.

O conflito racial e político que se desencadeou revelam rachaduras e fissuras em nós mesmos e em nosso mundo”, ressalta o palestrante, citando a postagem de Michele Obama, esposa do ex-presidente dos Estados Unidos Barak Obama, onde ela disse estar sofrendo de ‘depressão de baixo grau’, não apenas por causa da quarentena, mas, por causa da luta racial e hipocrisia observada na administração política: “é desanimador… estou acordando a noite porque estou preocupada com alguma coisa, ou há algo pesado… é desanimador ver tantas pessoas que se cansaram de ficar em casa porque o vírus não as afetou…

E, conclui Dr. Pargment: “mesmo as pessoas mais positivas entre nós, incluindo cuidadoras, podem se sentir feridas e quebradas nestes tempos”. O coronavírus nos confronta com preocupações existenciais de morte, liberdade, isolamento e propósito de vida.

O pesquisador trouxe-nos o conceito dos ‘mundos presumidos’, aqueles que nos permitem navegar pelos perigos e armadilhas da vida, enquanto mantemos nosso equilíbrio emocional: “o impacto de abalar e despedaçar nossos ‘mundos presumidos’ nos leva a perder nossa bússola, nosso equilíbrio, ficamos desorientados. Assim, temos dificuldade de encontrar um novo propósito e novos caminhos para chegar aos nossos destinos”.

Esta é a realidade que muitas pessoas estão/estarão apresentando: mundos presumidos despedaçados… Fomos abalados, não apenas física, psicológica, social e existencialmente. Fomos sacudidos espiritualmente”, adverte o psicólogo clínico.

Para o especialista, a Covid-19 levantou profundas tensões, questões e conflitos no que consideramos sagrado. São ‘lutas espirituais’, citando a existência de seis tipos: (1) as divinas, que envolvem sentimento de raiva contra Deus, achar-se punido, ou abandonado, ou sentir-se que não é amado por Deus; (2) as demoníacas, que  envolvem sentir-se atacado, ou atormentado pelo diabo, ou por espíritos malignos; (3) as morais, que lidam com os esforços para seguir princípios mais elevados nos desafios que surgem quando falhamos; (4) as de propósitos fundamentais, para saber se a vida tem um significado mais profundo e, o que isso pode representar para um indivíduo; (5) as interpessoais; e, (6) as comuns às instituições sobre questões sagradas. E revela: “o trauma quando chega até ao âmago, possui um componente espiritual; os traumas do coronavírus podem, ou não desencadear lutas espirituais”.

O Prof. Dr. Kenneth Pargment recomenda algumas ações e cuidados com nossa saúde mental, de forma a reestabelecer o espírito humano, enquanto aguardamos, e, para além da vacina.

(1) Precisamos ser capazes de promover uma conversa mais profunda, que encoraje uma imersão nas questões existenciais e espirituais em conflitos e lutas que poderão surgir.

Para tanto, devemos nos fazer as seguintes perguntas: o que me causa maior desespero e sofrimento? Como essa experiência me mudou em níveis mais profundos? Como essa situação abalou minha fé? Quais são os meus maiores arrependimentos?

(2) O espírito humano precisa de rituais e precisaremos muito de novos rituais criativos que possam substituir aqueles que perdemos, mesmo que não tenham os mesmos efeitos.

O pesquisador explicou que a religião ajuda as pessoas a navegar pelas mudanças críticas da vida. As diversas tradições religiosas fornecem vários ritos de passagem que podem marcar o início da vida, a transição da infância para a idade adulta, a união entre dois indivíduos em matrimonio, a passagem da vida para a morte.

Trouxe-nos o exemplo do rito do funeral que permite que as pessoas na comunidade saibam que ocorreu uma mudança profunda, uma mudança nos papéis e no status daquelas pessoas. Os vivos se tornam enlutados, alguém que faleceu se torna falecido. Assim, reforça Pargment, os ritos proporcionam amor e apoio contínuos aos enlutados, que, mesmo na condição de luto, estarão rodeados por uma comunidade atenciosa e amorosa, que continuará apoiando eles, proporcionando estabilidade em meio às mudanças profundas. Adverte ainda, que parte do problema que a Covid-19 proporcionou foi o impacto que ela teve nos ritos de passagem, por não podermos nos reunir.

Como ‘novo rito’, o professor lembrou o exemplo de moradores da cidade de Nova Iorque, que, no auge da pandemia, no final da tarde, saiam para suas varandas para aplaudir os trabalhadores, pessoas comuns que voltavam ou iam trabalhar: “foi algo espontâneo, poderoso e comovente. Quando a pandemia acabar, precisaremos de rituais locais, nacionais e até globais que marquem o que perdemos – um dia mundial de luto – ou monumentos e símbolos que destaquem essa época terrível, celebrando os profissionais que trabalharam correndo tanto risco pessoal”.

3) Precisamos cultivar momentos sagrados.

Os momentos sagrados são o que fazem a vida valer a pena, são o bem que estimamos. São atemporais, transcendentes e revelam verdades definitivas. Marcados por sentimentos de profunda interconexão, admiração, elevação e gratidão, tais momentos nos sustentam/sustentarão em tempos difíceis.

Ao promovermos bem-estar: “os momentos sagrados nos ajudarão a transformar uma experiência comum em uma experiência extraordinária; o comum torna-se notável”.

4) Precisamos promover uma perspectiva guiada pela esperança.

Pensamentos positivos induzem benefícios aos sistemas imunológicos e outros benefícios para saúde física e mental.

Ao nos perguntar sobre quais são as nossas perspectivas promissoras, o pesquisador propõe, de forma metafórica, que devemos aplicar em nossas vidas a filosofia japonesa do ‘kintsugi’ (aquela onde uma peça cerâmica é quebrada e remontada com filamentos de ouro, ou prata, tornando-se uma peça original e única): “se todos estão quebrados em partes, a arte de viver será juntar as peças e torná-la inteira”.

De forma coletiva, num exercício planetário de resiliência, “podemos ajudar uns aos outros a juntar nossas peças quebradas, e, até mesmo, compartilhar peças uns com os outros”, concluiu a palestra, o Prof. Dr. Kenneth Pargment, ressaltando: “todos precisaremos aprender uns com os outros nas próximas semanas, dias e anos”.

Segue o link para acesso ao conteúdo do Fórum Mundial Espírito e Ciência, da LBV, e a palestra completa que serviu como tema do presente artigo: https://youtu.be/RDWF0hTU8uo .

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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