21 de novembro de 2024

Embrapa apoia avanço da bioeconomia

Entrevista com Everton Rabelo Cordeiro, chefe-geral da Embrapa
‘O Amazonas é pautado na bioeconomia’  diz Everton Cordeiro

O chefe-geral da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) na Amazônia Ocidental, Everton Rabelo Cordeiro, diz que a bioeconomia existe há pelo menos 120 anos no Amazonas, mas agora volta a ganhar importância e relevância no cenário econômico mundial.

Ele lembra que essa atividade começou ainda no ciclo da borracha, proporcionando grandes riquezas à região em seu auge e transformando Manaus numa cidade praticamente cosmopolita ainda no final do século 19 e início do século 20.

Até hoje, as marcas de todo esse apogeu estão incrustadas nos prédios públicos com arquitetura em alto relevo e que fazem parte do patrimônio histórico da capital.

Segundo Everton, as seringueiras estão intocadas, exatamente como eram há 100 anos. E têm grande potencial para alavancar, de novo, a economia do Estado, gerando novos empregos e renda.

E ainda: a Embrapa tem todo um portfólio de pesquisas e conhecimentos que estão disponíveis à população para a exploração sustentável do látex, o produto que mudou a vida de muita gente, por gerações e gerações, e sustentou a economia regional por várias décadas.

“De cada 1 real investido na Embrapa, tem um retorno de 12,5 reais e 56 reais são revestidos na economia brasileira”, salienta Everton.

O especialista ressalta que ainda estão preservados 98% de toda a cobertura vegetal do Amazonas. E afirma ainda que a pecuária se revela como uma atividade viável no Estado, desde que sejam adotadas novas práticas, coexistindo em harmonia com as peculiaridades da floresta.

“Não precisa derrubar nenhuma árvore. A pecuária pode coexistir muito bem com a biodiversidade, sem ameaças ao meio ambiente. Nós temos a tecnologia. E ela está disponível para todos”, salienta ele.

De acordo com Everton, pesquisadores da Embrapa conseguiram a patente para um equipamento fundamental para otimizar o plantio de bananeiras cujo resultado é muito promissor. Ele consiste na utilização do ‘roto desperfilhador’ que substitui a velha técnica ‘lourdinha’, alavancando consideravelmente a produção da cultura.

Outra novidade é a ‘reversão sexual’ de tambaqui criado em cativeiro, uma técnica que já vem sendo utilizada na piscicultura. A nova ferramenta permite só a produção de alevinos fêmeas que ganham mais peso que os machos. Os produtores têm um incremento de aproximadamente 30% nos viveiros cultivados em tanques.

Everton Cordeiro falou com exclusividade para o Jornal do Commercio.

Jornal do Commercio – Qual é o tempo de atuação da Embrapa no Amazonas e como estão hoje as pesquisas?

Everton Rabelo Cordeiro – Já são 47 anos de trabalho na região. Na realidade, somos uma das primeiras unidades da empresa. Costumamos dizer que a Embrapa não para, é uma atualização constante. A própria sociedade espera muito de nós, as demandas são muitas e esperamos desenvolver mais pesquisas e tecnologias.

JC – Ouve-se muito falar que a bioeconomia é o futuro do Amazonas. Como avalia essa questão, a Embrapa se insere nesse contexto?

Everton – Nosso passado, presente e futuro são pautados na bioeconomia. Afinal, foi a borracha que trouxe toda essa riqueza para a região, com a seringueira, que viveu seu auge entre 1879 a 1912.

Essa atividade tem ainda grande potencial desde que se cultive com novas técnicas, não trazendo prejuízos ao meio ambiente. Pode continuar sustentando muitas famílias.

Nesse contexto, 98%  de toda a cobertura vegetal do Amazonas continuam intocados, está praticamente como era há 100 anos.

Então, a riqueza está aí. Cabe a nós, cada vez mais, identificar novos produtos, novas potencialidades.

Mas esses novos produtos já existem. Temos o açaí, o guaraná, o cupuaçu e tantos outros  que estão aí à mercê das pesquisas.

JC –Esses produtos do setor primário têm impulsionado alguns ‘boons’  em relação ao PIB brasileiro. O quanto a  Embrapa é hoje importante para o agronegócio?

Everton – A Embrapa é muito importante para o agronegócio e também para pequenas comunidades, agricultores, povos quilombolas, indígenas, agricultura familiar.

De um modo geral, para cada 1 real que o governo injeta na Embrapa, tem um retorno de 12 reais e 56 reais na economia

Quanto mais injetado recursos na Embrapa, mais a economia  responde a isso, tamanha tem sido a relevância que a empresa tem tido nesse contexto.

No amazonas, o PIB do setor chega hoje em torno de 8%, mas há pouco tempo era de 1%. Então, é muito relevante pra nós.

JC -Muito se fala hoje de incentivos fiscais desconectados da bioeconomia. E ainda argumentam que não é possível desenvolver a pecuária na região. Pode-se viabilizar essa atividade de forma sustentável junto com a floresta?

Everton – O LPF (Lavoura, Pecuária e Floresta) tem sido uma das alternativas mais revolucionárias que a Embrapa lançou nos últimos anos. A pecuária pode ser muito bem desenvolvida no Amazonas.

Temos o potencial do município de Apuí e ainda Boca do Acre, de grande importância para a região.  A Embrapa tem tecnologia para incrementar as atividades usando outros componentes.

A floresta e os recursos estão disponíveis. A Embrapa tem um portfólio de tecnologias muito viáveis. Antes, tinha-se um animal por hectares. Agora, chegam a cinco. É um aumento de 500%.

Mas só se chega a essa produtividade usando técnicas de rotação de cultura. Não é preciso eliminar nenhuma árvore. Precisa só tornar mais eficiente.

Temos um escritório em Parintins que introduz novas pastagens, mas não podemos atender a todos devido a tantas demandas. A produção de gado com novas tecnologias, sem agredir o meio ambiente, pode trazer um valor enorme para a economia do Amazonas.  

JC – Quando se fala da Embrapa, lembramos de vários projetos desenvolvidos no Estado. Por muito tempo, falou-se da potencialidade do dendê. Hoje, dentro do portfólio da empresa, agora qual a aposta em termos de desenvolvimento para a região?

Everton – Os modelos de agricultura no Amazonas são focados nos pequenos produtores. Temos a mandioca, o guaraná, que são muito relevantes. Estão disponíveis novas técnicas de plantio.

O açaí tem grandes perspectivas de negócios. E ainda a piscicultura. A Embrapa disponibiliza várias técnicas para essas atividades na Região Norte.

Hoje, pode-se utilizar um areador que duplica a produção em tanques. Uma colega pesquisadora faz um pós-doutorado na Noruega para aumentar em 30% a produtividade de tambaqui, simplesmente com a reversão sexual, porque se sabe que as fêmeas desse espécie ganham mais peso que os machos.

Então, identificando o sexo dos peixes, pode-se fazer com que a maior parte seja de fêmeas e vai ter um incremento de 30% na produção em tanques.

É o que há hoje de mais moderno na genômica sendo aplicado ao nosso contexto no Amazonas com o uso simplesmente de um areador. São tecnologias que já estão sendo adotadas.

JC – Quando se fala de tecnologia, pesquisa, dá a impressão que poderíamos ter um grande distrito agropecuário em Manaus. Está faltando uma ponte, uma maior parceria entre a Embrapa, Suframa e outros órgãos nesse contexto, é possível?

Everton – É possível. Nós nunca fomos tão demandados nesses últimos anos. Sabemos do grande interesse de se intensificar esse distrito agroindustrial.

Temos sido chamados para reuniões constantes. Defendemos que deva existir essas parcerias, graças a essa mudança geopolítica do mundo.

Parece que agora o pessoal descobriu que tem Embrapa aqui. A tecnologia para o plantio de dendê que a empresa desenvolveu é hoje utilizada no Brasil todo. E 90% de produção do dendê está no Pará.

A Embrapa é a única instituição que trabalha com a produção de guaraná e 90% de toda essa produtividade estão na Bahia. Nós hoje começamos a ficar mais felizes.

Quer dizer, não só o Brasil descobriu a Embrapa como também o Amazonas, o mundo, mas é claro que precisamos mais.

JC – O que a Embrapa está fazendo para  levar todo esse conhecimento desenvolvidos em pesquisas a todos os 62 municípios do Amazonas?

Everton – Somos poucos – apenas 204 funcionários, dos quais 49 são pesquisadores. É pouca gente pra fazer muita coisa. Para essa tecnologia chegar a quem precisa, precisamos de parcerias.

Sepror e Idam tem sido parceiros muitos importantes para difundir essas novas tecnologias. Queremos que essas novas ferramentas cheguem a essas clientelas

 Mas precisamos de mais parceiros. A gente precisa ser procurado. Fazemos pesquisas de acordo com as nossas peculiaridades regionais.

JC – Qual a principal novidade?

Everton – Uma notícia de primeira mão. Acaba de chegar a primeira patente desenvolvida pela Embrapa. Os documentos já chegaram.

É um ‘roto desperfilhador’ que se utiliza no plantio de bananeiras, substituindo a velha técnica ‘lurdinha’. A nova ferramenta alavanca a produção, é muito mais eficiente e menos cansativa. A patente saiu ontem (quinta-feira,03).

JC – O novo equipamento que ganhou patente já está disponível?

Everton – Sim, está disponível nos eventos promovidos pela Embrapa. O equipamento já está no mercado, mas a patente só chegou agora. Já existem duas ou três empresas que vendem.

A Embrapa não tem interesse em vender o novo equipamento. Não é natureza da empresa. Ela abre a licitação e algumas empresas se interessam pelos produtos. Assim  com qualquer clone ou tecnologia que desenvolvemos.

JC –  Como está hoje a relação entre a Embrapa e o CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia)?

Everton – Eu sou um fã incondicional do CBA.  Sozinho, a gente não vai a encontro nenhum. De tempos em tempos, a Embrapa abre pesquisas.

Um colega que chegou de um pós-doutorado na Alemanha foi convidado para ir ao CBA  para dar continuidades a pesquisas.

São estirpes de microrganismos para melhorar a eficiência da agricultura no Amazonas.

O nosso desejo é que esse seja o primeiro de uma dezena de parcerias que virão. Acreditamos que a lei da informática precisa ser muito utilizada por nós, instituições de ciência.

E a Embrapa está ávida para ter acesso a esses recursos. Temos uma equipe muita enxuta pesquisadores e gestores.

JC – Nessa questão sobre potencialidades, temos também o abacaxi. Quem de fora degusta, fica impressionado pela doçura. É um diferencial nosso?

Everton – O nosso abacaxi tem um peso muito importante para quem produz. É um material que precisa ser tratado como uma rainha, uma princesa. Mas o agricultor precisa mudar alguns hábitos.

O produto é que colhe-se o abacaxi muito maduro. E o produto apodrece logo. Precisamos adotar novas práticas. Como temos muita variação de radiação solar, isso favorece a muito doenças.

E o processo de amadurecimento é muito rápido. Precisamos aumentar a vida de prateleira  do abacaxi com novos métodos. A gente vê o interesse das pessoas nesse sentido.

JC – A borracha tem um grande potencial no Amazonas. Existem subvenções estaduais e federais. Temos três grandes indústrias no segmento. A atividade pode gerar muito emprego e renda. Como a Embrapa avalia essa questão?

Everton – Acreditamos que a partir dessa aquisição que a Michelin fez vai impulsionar muito a cadeia produtiva. O incentivo era a produção local no Amazonas, que é a mesma de 100 anos atrás, de 35 mil a 40 mil toneladas.

As seringueiras estão aí disponíveis. Em vejo hoje a seringueira como uma das oportunidades mais relevantes. A bioeconomia está aqui há 120 anos.

Em Maués temos seringueira consorciada com cacau. A vegetação, a floresta, estão quase como eram antigamente. Nós acreditamos que a seringueira voltou a ser uma opção fantástica.

Marcelo Peres

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