“Aqui, todo mundo guarda a esperança de não vender”… a frase soava forte no grito resistente das trabalhadoras e trabalhadores de Urucu. Rompia-se a barreira da floresta ao ecoar: HÁ ESPERANÇA!
Aliás, Esperança foi o nome dado a Escola construída pela Petróleo Brasileiro S.A. aos seus trabalhadores, a maioria natural de Carauari (sede populacional mais próxima) da Unidade Operacional Geólogo Pedro de Moura.
Com os olhos marejados de lembranças, o gestor operacional Marques, um experiente jovem de cabelos grisalhos da PETROBRAS (trabalha em Urucu desde o primeiro poço perfurado em 1988), reproduzia, pausadamente, o orgulho dos muitos eventos que participou, de formatura dos trabalhadores alfabetizados pela Escola Esperança, depois, formados no antigo primário … filhas e filhos que saiam para trabalhar às 7 horas da manhã, retornando às 17 horas, jantavam, e no terceiro turno, a partir das 19 horas, investiam na Educação de suas vidas e no desejo contínuo da renovação de seus contratos de trabalho pela meritocracia e desempenho.
Quando a PETROBRAS se propôs a certificar seus processos e gestão ambiental em Urucu (ISO 9000 e ISO 14.000), comentou Marques, um grave desafio corporativo se apresentou: grande percentual de seu corpo de trabalhadores locais, embora habilidosos e competentes às atividades/serviços operacionais no coração da floresta, não sabia ler e escrever… “tivemos que substituir textos pela estratégia pedagógica de desenhos e figuras” que nos ajudaram a certificar a Unidade, assentando os primeiros tijolos da Escola Esperança, que, por muitos anos nos ensinou, enquanto PETROBRAS, a produzir óleo e gás natural na Amazônia respeitando a Natureza e a realidade das nossas populações locais.
Ouvi, durante a visita, relatos da existência de gerações de famílias locais, filhas do trabalho proporcionado pela história operacional de Urucu. Me parece um indicador de Responsabilidade Social Corporativa pouco debatido, muito menos valorado, nas transações de comercialização do empreendimento que ora se apresenta.
Aliás, a história de Urucu tem investimentos da PETROBRAS em Ciência, Tecnologia e Inovação que parecem olvidados pela atual diretoria da Empresa, ou intencionalmente esquecidos, para não serem mensurados.
No ano em que comemoramos no Amazonas 50 anos de vida do curso de Engenharia, foi nossa Engenharia Nacional que permitiu à PETROBRAS (a partir do caso das reservas da bacia sedimentar Solimões, valiosas, mas, de pouca espessura) desenvolver know-how industrial exploratório com perfurações subterrâneas horizontais/sub-horizontais, que ampliaram nossa capacidade produtiva de hidrocarbonetos amazônicos, bem como, em outros casos semelhantes pelo mundo.
Se hoje falamos em modelos industriais 4.0 e 5.0, trabalhar na Floresta exigiu um investimento de décadas em automação, telemetria, de uma inteligência corporativa em sistemas integrados, desenhados e desenvolvidos by Zona Franca, com contribuições das universidades e institutos de pesquisa locais, nacionais e internacionais.
Como ressaltou Marques, em nossa conversa no final do dia de trabalho, aqui da Base onde funciona o Polo Arara posso controlar, monitorar, operar (fechar e abrir), em tempo real, poços e unidades distantes 50 km dentro da floresta.
Alguém da atual diretoria da PETROBRAS mensurou tal história de excelências?
Conversava com o Prof. Dr. Carlos Edwar da Universidade Federal do Amazonas, pesquisador do PIATAM (Instituto de Inteligência Socioambiental Estratégica da Amazônia) sobre as características peculiares do Complexo Industrial de Urucu, com grande potencial de impactos ambientais que elevam de forma excepcional seus riscos operacionais, e o contraste de uma história de três décadas com baixíssimos números de acidentes/afastamentos/óbitos. Concluímos que pode haver alguma relação direta com a construção histórica entre a PETROBRAS e as unidades de controle do e no Estado do Amazonas, de uma governança institucional e em rede, balizada na racionalidade etno-sócio-ambiental.
Diferente da racionalidade econômica especulativa da proposta de venda em discussão, recomendo, através deste artigo, às unidades de controle do e no Estado do Amazonas, algumas observações oportunas que, espero, reverbere o eco de esperança produzido pelos filhos de Urucu durante a visita.
(1) Diante do cenário de ineficiência do Estado brasileiro no monitoramento e controle ambiental das atividades produtivas extrativas minerais e energéticas, através das atuais Agências Reguladoras, a nova empresa compradora de Urucu proporcionará ao Amazonas a mesma segurança de arrecadação fiscal sobre a produção que a Petróleo Brasileiro S.A. hoje fornece?
Algumas experiências internacionais, como o exemplo negativo africano da Nigéria, precisam ser analisadas no bojo da corrupção na história de governos militares, golpes de Estado, privatizações, e, más aplicações dos recursos oriundos da indústria petrolífera, mui semelhantes como temos assistido nos investimentos dos royalties pelo estado do Amazonas, Rio de Janeiro, e por municípios produtores, como, Coari.
(2) Qual a garantia que a empresa compradora de Urucu dará ao Estado do Amazonas quanto a governança sobre o passivo ambiental da operação histórica da Unidade Geólogo Pedro de Moura? Haveria capital privado, ou de fundos de investimentos público-privados suficientes, caso houvesse um sinistro semelhante ao que gerou o recente apagão de energia no Amapá?
Num eventual acidente operacional é preciso dimensionar o impacto socioeconômico nas atividades produtivas da Amazônia, atualmente, abastecidas em suas demandas e singularidades logísticas pelas reservas de hidrocarbonetos produzidos desde Urucu e beneficiados na Refinaria de Manaus (REMAN).
(3) Há previsão no contrato de venda de Urucu, que a empresa compradora assuma o protagonismo dos Centros de Defesa Ambiental da PETROBRAS de forma a garantir os procedimentos de respostas aos sinistros de derramamento de óleo na maior bacia hidrográfica planetária, a do rio Amazonas?
Considerando que a venda de Urucu impactará o Amazonas e os demais estados da Amazônia é bom lembrar que na atual estrutura de governança do território pelo Governo Federal, não existem sequer representantes dos Estados federativos no Conselho da Amazônia.
A Amazônia não é um vazio demográfico, como alguns brasileiros e não brasileiros acreditam. (Continua)