As lideranças do PIM receberam com um misto de perplexidade, temor e indignação a decisão do governo federal de reduzir de 35% para 20% a alíquota do imposto de importação de bicicletas no Brasil, até o final do ano. Os dirigentes classistas são unânimes em dizer que a medida fere de morte um segmento industrial emergente da indústria incentivada de Manaus, especialmente em um momento em que o setor e o Amazonas encontram-se sitiados pela segunda onda da pandemia e seus impactos econômicos adversos.
O anúncio da medida veio do próprio presidente Jair Bolsonaro, em postagem em suas redes sociais, na noite desta quarta (17). Acompanhada de uma foto do chefe do Executivo andando de bicicleta, a publicação informa que a alteração da alíquota foi uma decisão da Camex (Câmara de Comércio Exterior), do Ministério da Economia, e que seria realizada aos poucos, caindo de 35% para 30%, em março, e passando para 25%, em julho, e finalmente para 20%, em dezembro. A medida foi oficializada no DOU (Diário Oficial da União) desta quinta (18).
O presidente do Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas), Wilson Périco, lamentou que, no momento em que o país precisa gerar mais empregos, em razão da crise da covid-19, o Ministério da Economia “insista em abrir a economia” e que tenha tomado uma decisão que pode afugentar investimentos em um segmento industrial que alcançou o maior índice de crescimento de volume de produção, no ano passado.
O dirigente lembra que a questão das alíquotas já tem sido discutida há muito tempo com o Ministério da Economia. Para o dirigente, antes de tomar qualquer decisão nesse sentido, o Executivo deveria entender que o país não tem grandes conglomerados industriais nacionais no segmento de bens de consumo e que este é atendido por grandes multinacionais que geram empregos para brasileiros. E diante dessa compreensão, formular sua política industrial com base nos objetivos a serem alcançados.
“As multinacionais estão aqui para se manterem competitivas, atendendo esse mercado, e isso se dá por conta dos impostos de importação. O país tem uma carga tributária que é um absurdo, uma lei trabalhista que é muito nociva ao investidor, e é deficiente em infraestrutura. O que a multinacional precisa é só saber o que o governo brasileiro quer. Se ela tiver condição de atender o mercado nacional exportando seus produtos e produzindo na Ásia e no México, certamente fará isso. Temos exemplos da Pepsi, que já foi embora, e de outras que já fizeram isso, lá atrás. O governo precisa decidir se quer gerar emprego para brasileiro, e essa sinalização tem que ser rápida. É uma pena”, desabafou.
Benefício aos estrangeiros
O presidente da Fieam (Federação das indústrias do Estado do Amazonas), Antonio Silva, diz que vê a iniciativa “com muito pesar” e lamenta que a decisão tenha sido tomada sem qualquer contrapartida que justifique a redução de imposto de importação para as bicicletas. No entendimento do dirigente, os únicos beneficiados nessa situação serão os importadores brasileiros e os fabricantes e exportadores estrangeiros do produto – principalmente da China.
“É lamentável que o governo federal tome essa medida, atendendo ao pedido apresentado, em novembro de 2019, pela Aliança Bike [Associação Brasileira do Setor de Bicicletas]. Aliás, conforme estudo e gráfico divulgado pela própria entidade, de 2011 até 2019, tivemos significativa redução de importações e aumento significativo das exportações de bicicletas, favorecendo a balança comercial do Brasil, com economia de divisas, seguido de aumento do valor exportado”, questionou.
A base de dados citada aponta que, a despeito do breve repique de 2014, as importações de bicicletas vêm percorrendo trajetória declinante desde 2011, e acabaram desabando 79,70% no volume de vendas, de 369.206 (2011) para 74.962 (2020) unidades. As exportações, por sua vez, percorreram caminho contrário e – apesar do tombo registrado também em 2014 – escalaram de 2.405 (2011) para 13.438 (2020) unidades no mesmo período, alcançando crescimento de 458,75%.
Antonio Silva ressalta que os dados confirmam que 2020 foi ano de “crescimento espetacular” para o mercado brasileiro de bicicletas, com alta de 50% nas vendas, em comparação com 2019. Por isso, o presidente da Fieam reforça que não vê na medida federal nenhum eventual favorecimento à economia brasileira ou à indústria brasileira, mas apenas prejuízos ao país, aos investimentos e à geração de empregos para os trabalhadores, e principalmente prejuízo para a Zona Franca de Manaus.
“Essa decisão só vem agravar ainda mais os efeitos econômicos negativos causados pela pandemia ao PIM, inviabilizando o segmento de produção de bicicletas na ZFM e eliminando 5.000 empregos diretos e indiretos no Polo. A Fieam apoia integralmente as intervenções do vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos [PL-AM] e do senador Omar Aziz [PSD-AM], ao mesmo tempo em que conclama os demais representantes do Amazonas nas duas casas legislativas, bem como as demais entidades coirmãs, a defenderem a ZFM contra mais esse ataque a economia do Brasil e a indústria do Amazonas”, afiançou.
“Contramão da necessidade”
Procurada pela reportagem do Jornal do Commercio, a Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares) respondeu, por meio de nota de sua assessoria de imprensa, que recebeu “com surpresa e preocupação” a medida do Gecex. Na análise da entidade, a diminuição da alíquota coloca em risco empregos não apenas em Manaus, como também em todo o país, dado que há “centenas de empresas” que montam bicicletas através de aquisições de componentes nacionais e importados e que, agora, terão concorrência direta dos produtos importados.
A Abraciclo destaca que a indústria brasileira de bicicletas, instalada no PIM desde 1975, é a quarta maior fabricante mundial do produto e gera cerca de 4.500 empregos diretos e indiretos. Enfatiza ainda que as bicicletas produzidas em Manaus contam com o mesmo nível de qualidade das marcas globais, graças aos investimentos contínuos que as fabricantes têm feito em tecnologia e modernização. A entidade informa ainda que, antes da medida, as empresas vinham negociando com o governo federal a necessidade de reduzir o custo Brasil e, com isso, aumentar a competitividade, paralelamente à adoção de medidas de abertura comercial.
“No momento em que as fabricantes nacionais instaladas no PIM se desdobram para manter os empregos e a produção, diante dos impactos da pandemia e a adoção de rigorosos protocolos de segurança aos seus colaboradores e prestadores de serviços, esta medida vem na contramão da necessidade do país, de gerar mais postos de trabalho e renda. [Vai acabar] beneficiando apenas os países asiáticos, principais produtores e exportadores de bicicletas”, arrematou o texto da assessoria da Abraciclo.
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