A Sociedade Harmonia Amazonense foi instalada na noite do dia 04 de abril de 1869 na casa do Sr. José Antonio da Costa, seu primeiro Presidente. O evento foi bastante concorrido, contando com a presença de seleto grupo. O jornal Amazonas registrou que as jovens disputavam entre si o título de Rainha do Baile, e os jovens aproveitavam para se deleitar com suas belezas, além de convidá-las para contradanças. Foram servidos doces, chás e licores. O baile terminou às 2 horas da madrugada (AMAZONAS, 06/04/1869, p. 04).
Naquelas longínquas décadas de 1860 e 1870, constituía-se em um dos poucos, senão raríssimos, espaços de divertimento da cidade. O jornal Commercio do Amazonas assim informa o baile dançante do mês de julho: “Harmonia Amazonense – Deve hoje ter logar a partida mensal da sociedade Harmonia. E’ de suppor que seja bastante concurrida, visto ser actualmente a unica distracção que ainda resta nesta cidade para as famílias” (COMMERCIO DO AMAZONAS, 02/07/1870, p. 01). O professor, geógrafo e historiador Agnello Bittencourt registrou que nesse período existiam apenas “[…] quatro sociedades diversas, recreativas ou filantrópicas, que eram: a ‘Ateneu das Artes’, fundada em 1869; a ‘Nacional Beneficente do Amazonas’, criada naquele mesmo ano; a ‘Harmonia Amazonense’, e a ‘Emancipadora Amazonense’, esta para o fim precípuo de lutar pela libertação dos escravos” (BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências. Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1969, p. 63).
O jornalista, cronista e pesquisador Genesino Braga (1906-1988) descreveu a Sociedade Harmonia Amazonense como um espaço destinado à elegância e mundanismo, já que ali “[…] se reuniam as famílias que constituíam o escol social, presentes sempre os oficiais do 3° Batalhão de Engenheiros, da Flotilha de Guerra e da Escola de Aprendizes Marinheiros. Muitas valsas ali rodopiaram, ainda coronel e capitão, respectivamente, Tibúrcio e Floriano Peixoto” (BRAGA, Genesino. A Manaus de 1871. Pintura Vertical da Paisagem. Jornal do Commercio, 31/01/1973, p. 17).
A elite amazonense, assim como as de outras Províncias do Império Brasileiro, estava cada vez mais se familiarizando, à sua maneira, com os hábitos e costumes oriundos da Europa, sobretudo da França, como explica a historiadora Mary Del Priore em artigo sobre bailes brasileiros do século XIX:
“As ‘partidas’ ou reuniões noturnas, moda importada de Paris onde recebeu o nome inglês de ‘rout’, congregavam levas enormes de convidados, vestidos na última moda, para uma reunião mundana. Ali, copo à mão, se conversava. O objetivo? Ver e ser visto” (PRIORE, Mary Lucy Murray Del. Bailes, bailados, soirées e saraus: regras e diversão. História Hoje, 11/02/2017, s. p.).
Buscava-se não apenas a recreação, mas também a distinção de classe, o reconhecimento e pertencimento a um grupo restrito da sociedade, no qual os membros estavam unidos pelos capitais financeiro e político e também pelos novos modos e modas que praticavam e consumiam.
Esmiuçando as fontes jornalísticas, nos vemos diante de uma sociedade bastante organizada, regida por um estatuto, do qual foram encontrados alguns artigos. Conforme o artigo 11, “o socio effectivo que tiver deixado de pagar a sua mensalidade perde o direito de entrada na partida ou baile desse mez se não effectuar o pagamento até a vespera“. No artigo 12 ficou determinado que “o que deixar de pagar duas mensalidades seguidas será considerado como despedido da sociedade, e perderá o direito a tudo aquillo com que houver concorrido para ella, o que também se entenderá á respeito do sócio que deixar de fazer parte da sociedade por outro qualquer motivo” (AMAZONAS, 06/08/1870, p. 03). O artigo 42 “prohibe o ingresso de famulos [criados] na casa das partidas, que não sejam os determinados pela directoria para o serviço daquellas” (AMAZONAS, 21/08/1869, p. 04). Os sócios só poderiam entrar nos bailes após a apresentação, para o porteiro, do cartão de ingresso que lhes eram entregues durante o pagamento das mensalidades (AMAZONAS, 05/04/1878, p. 04).
Em 1878, conforme anúncio anteriormente citado, os bailes passaram a ser realizados em um prédio na Rua da Instalação (AMAZONAS, 05/04/1878, p. 04). Inúmeras foram as festas realizadas em seus salões. Destacam-se a de despedida do Presidente da Província do Amazonas, Tenente-Coronel João Wilkens de Mattos, realizada em 10 de abril de 1870. Na ocasião, “os salões do predio da sociedade Harmonia, brilhando de decorações e admiravelmente illuminados, regorgitavam de convivas, que se desvaneciam de concorrer para o brilhantismo desta festa dada em honra de s. exc, como pura homenagem de apreço e reconhecimento” (AMAZONAS, 22/04/1870, p. 01); e a oferecida por João Carlos da Silva Pinheiro e Torquato Xavier Monteiro Tapajós, no dia 17 de julho de 1872, ao General José Miranda da Silva Reis (Presidente e Comandante das Armas da Província de 08 de junho de 1870 a 08 de julho de 1872) e sua família, de partida para o Rio de Janeiro:
“[…] a casa do baile esteve decorada com bastante esmero e illuminada na frente; com grandes e refolhadas cortinas brancas que pendiam em todas as portas lateraes, tal qual se pode imaginar um lugar primorosamente preparado para receber o bello sexo. Às 9 horas já passeava nos salões o sexo feio com algumas mademoiselles cada qual mais bem trajada, disputando cada uma d’ entre si qual dellas deveria ser a ranha do baile” (AMAZONAS, 20/07/1872, p. 03).
Também eram realizados eventos em homenagem a pessoas que eram promovidas em seus empregos, como ocorreu com o Tenente Coronel Felinto Gomes de Araújo, promovido a um novo posto em novembro de 1879:
“Manifestação de apreço. – Informam-nos que os amigos do distincto sr. tenente coronel Felinto Gomes de Araujo, pretendem offerecer á s. s. na noite de 8 de novembro, em regosijo pela sua merecida promoção ao posto de tenente coronel commandante do 1° regimento d’ artilharia a cavallo, uma soirée nos salões da sociedade – Harmonia Amazonense” (AMAZONAS, 31/10/1879, p. 02).
Foram reunidos abaixo, com base nos informes do jornal Amazonas de 1869 a 1880, os nomes de alguns de seus Presidentes, Diretores, Secretários e Tesoureiros:
Presidentes: José Antonio da Costa, João E. Nery da Fonseca Junior, A. Roberto Alves (interino), Adriano X. d’ O Pimentel e Manoel Joaquim Machado e Silva.
Diretores: Rodolpho Sergio Ferreira, Rosalino Alvares Ribeiro, Francisco Leopoldo de Mattos Ribeiro, Marçal Gonçalves Ferreira, João M. de S. Coelho e Adriano F. Jorge.
Secretários: João Antonio da Silva Egues, A. Roberto Alves, Henrique Barboza de Amorim e Manoel da Silva Campello.
Tesoureiros: Manoel Joaquim Machado e Silva.
Em dezembro de 1879, o então Presidente da sociedade, Adriano X. d’ O Pimentel, convocou os sócios para uma assembleia geral “afim de tratar de negocio que affecta a existencia da sociedade” (AMAZONAS, 21/12/1879, p. 07). Em 1880, após pouco mais de 1 ano de existência, a Harmonia Amazonense foi extinta. Quais os motivos? Pode-se especular diferentes causas, como os altos custos para a sua manutenção ou a simples decisão de encerrá-la em detrimento de novas casas de diversão que iam surgindo na cidade.
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