Muito provavelmente quando surgiu o primeiro bar no mundo, o primeiro cliente foi um boêmio, alguém à procura de um lugar para beber e conversar. Desde então tem sido assim no mundo todo. Para descobrir como foi, e tem sido, a boemia em Manaus, há uns quatro anos o professor e historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo vem pesquisando o assunto e acaba de concluir ‘Nos caminhos da alegria – roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus’, mais um livro para a sua lista de publicações sobre os fatos de nossa terra.
“Resolvi escrever esse livro porque eu próprio sou um boêmio, desde a adolescência, quando comecei a frequentar bares e bordéis, como o Big Bar e o Bar do Orlando, na Boca do Emboca, em Santa Luzia, bairro onde nasci e me criei. Depois o Jupati, na Colônia Oliveira Machado. Também conheci o Verônica, um dos bordéis mais icônicos de Manaus, que ficava localizado nos Bilhares, onde hoje está o Millennium; e o Saramandaia, na Torquato Tapajós, onde agora está a Tumpex”, informou.
Durante anos Aguinaldo frequentou o ‘Chá do Armando’, confraria que reunia intelectuais manauaras à base de petiscos, cervejas, uísques e boas conversas. De lá extraiu muitas histórias que enriqueceram ‘Nos caminhos da alegria’, algumas delas já contadas em seu outro livro ‘Santa Luzia – história e memória do povo do Emboca’.
“Um dos frequentadores do Chá, Almir Diniz, foi repórter policial na sua juventude, e sabia de muita coisa interessante e curiosa sobre os bares e bordéis da cidade. O próprio Thiago de Mello, em visitas que fez ao Chá, também lembrou de outras tantas histórias”, disse.
Hotel Cassina, quem diria
Segundo Aguinaldo, quando se fala a palavra boêmia, as pessoas costumam associá-la a prostituição, mas não é nada disso. Ser boêmio é ter um estilo de vida de despreocupação com o dia de amanhã, é querer estar acompanhado de amigos, num bar, bebericando e jogando conversa fora até o dia amanhecer.
“Antigamente, os boêmios eram o pessoal que trabalhava nos jornais, cujas redações eram todas no Centro da cidade. Esses profissionais saiam tarde das redações, e ainda iam para os bares, beber e conversar, e era um pessoal que, por força da profissão, sabia de tudo o que acontecia na cidade, principalmente os que cobriam polícia”, destacou.
E esse estilo de vida nunca deixou de existir, tanto nos bares, boates e clubes surgidos a todo instante, quanto naqueles tradicionais, como o Bar do Armando e o Caldeira, que estão há décadas com as portas abertas e sempre renovando seus clientes boêmios.
‘Nos caminhos da alegria’, porém, volta bastante no tempo, até 1820 quando, de acordo com o historiador Mário Ypiranga Monteiro, teria surgido o primeiro bar na incipiente Manaus, o boteco do ‘seu’ Melgaço, que já servia bebidas alcoólicas para os clientes que lá se reuniam nos finais de tarde.
“Como disse antes, não devemos associar a boemia à prostituição. Boêmios existem desde o boteco do ‘seu’ Melgaço, mas a prostituição só vai surgir em Manaus quando começa a correr muito dinheiro na cidade, em função do comércio da borracha, no final do século 19. O símbolo desse momento seria o Hotel Cassina, que tinha um restaurante, um cassino e era local onde os endinheirados seringalistas se reuniam quando vinham a Manaus e, conta-se ‘a boca pequena’, subiam aos quartos do hotel acompanhados com as famosas ‘polacas’, para cá atraídas pela prosperidade financeira”, revelou.
O bispo e o bordel
Quem conhece o repertório de Waldick Soriano sabe que ele cantava para os boêmios, e o cantor fez sucesso em Manaus, na década de 1960, se apresentando no Cine Vitória, no Educandos, principalmente quando, depois dos shows, atravessava a rua e ia beber no Bar São Domingos, onde recebia as fãs. Também são famosas as suas brigas com maridos enciumados.
“O auge da minha pesquisa são as décadas de 1950 e 1960, quando Manaus abrigou inúmeros bares e lupanares (estes tinham que obrigatoriamente ter um bar) existentes principalmente no Educandos e Constantino Nery. Eram locais bem frequentados, e discretos, onde sempre aconteciam brigas por ciúme e a polícia tinha que vir apaziguar a situação”, contou.
O livro de Aguinaldo, além de histórico, é recheado de relatos engraçados como o do padre novato que chegou a Manaus e foi chamado para uma reunião com o bispo, na Maromba. Pegou um táxi, no Centro, e o motorista rumou para a Maromba, porém, gaiato, o motorista levou o padre para o Verônica, que ficava próximo à Maromba. No bordel o padre se dirigiu para uma das ‘moças’ que se encontrava no local e perguntou: “O bispo já chegou?”, ao que ela respondeu: “Não. Hoje não é o dia dele vir”.
Aguinaldo já está realizando a pré-venda do seu livro, que pode ser solicitado pelo WhatsApp: 9 9986-5740.
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