Não se sabe ao certo quando, exatamente, e quem idealizou o cartão postal. Existem três versões de sua criação na década de 1860. Certo é que, em 28 de abril de 1880, o imperador D. Pedro II o instituiu através de decreto, no Brasil.
Logo o pequeno retângulo de papelão fino fez sucesso como meio de comunicação devido não precisar de envelope e, por isso, ser mais barato do que uma carta comum, mas principalmente porque num dos seus lados estampava uma imagem, em sua maioria mostrando belos pontos turísticos de cidades em todo o mundo. Certamente a cartofilia (colecionismo de cartões postais) surgiu logo em seguida, pois ainda no final do século 19, a peça começou a ser utilizada em todo o mundo.
Com o surgimento do e-mail e da facilidade em se trocar imagens do mundo através da internet, os cartões postais se tornaram cada vez mais raros, mas ainda existem empresas que os fabricam. Essa raridade de peças fez com que os pequenos pedaços de papel se tornassem valiosos e desejados por colecionadores.
Um dos pioneiros da fotografia na Amazônia, o alemão George Hubner, também foi o pioneiro na produção de cartões postais sobre a região. Hubner veio morar em Manaus, em 1897, onde inaugurou o ateliê Photographia Allemã, com os mais modernos equipamentos da época. Por mais de dez anos, até o declínio do comércio da borracha, a partir de 1911, Hubner fez fotos pelos rios da Amazônia, e principalmente da cidade de Manaus, produzindo muitos cartões postais a partir destas imagens.
Quase 400 peças
É exatamente um postal produzido por Hubner, em 1906, a mais antiga peça da coleção do cartofilista Robervan Melo.
Robervan é bastante conhecido entre os numismatas (colecionadores de cédulas e moedas) de Manaus. Desde 1987 ele vende, compra e coleciona esse material. Há três anos resolveu se tornar cartofilista.
“Entre os colecionadores que conheço, filatelistas e numismatas, alguns são grandes cartofilistas, com milhares de peças em seu acervo e, nas visitas que lhes faço para mostrar novidades, acabaram me convencendo a também colecionar postais”, contou. “Geralmente as coleções começam do zero, ou a partir de outras coleções, estas conseguidas quando da morte de seus antigos donos. Foi o meu caso. Um dos meus clientes faleceu e seu acervo foi colocado à venda. Um grande colecionador comprou boa parte do acervo, e o que ele não quis, eu comprei, quase 400 peças”, falou.
Para evitar a tentação de adquirir todo tipo de postal que aparece na sua frente, Robervan limitou sua coleção aos postais do início do século 20. Outras empresas locais, e até de Paris, além da Photographia Allemã, produziam edições mostrando Manaus, então uma das capitais que mais crescia no planeta em função da pujante economia resultante do comércio da borracha (1890/1910).
“Acredito que Hubner mandava imprimir seus postais na Alemanha, pois os álbuns que editou junto com seu sócio Libânio do Amaral, eram ‘rodados’ lá”, revelou.
Mas Robervan também tem peças editadas pela Union Postale Universelle, Bazar Esportivo, Tabacaria Avenida, Agência Freitas, Livraria Acadêmica e A Favorita, estes últimos da década de 1950.
Quem seria Juliette?
Guardando parte da história de Manaus, os postais de Robervan trazem cenas interessantes de uma cidade que, em alguns aspectos, não existe mais, como um do igarapé do Espírito Santo, aterrado ainda no final do século 19, e outro de 12 de fevereiro de 1918, onde aparece um bonde e uma carroça puxada a cavalo em uma av. Sete de Setembro sem nenhum outro tipo de automóvel; ou o prédio da Alfândega, atualmente desocupado e fechado, cujo postal foi assinado em 7 de janeiro de 1917; e outra imagem do mesmo prédio, agora datada de 13 de agosto de 1917 onde um bonde (seria o mesmo do postal de 1918?) e uma carroça puxada a cavalo também compõem a cena; ainda há postais com o clássico cruzamento das avenidas Eduardo Ribeiro com Sete de Setembro, e o bonde é figura obrigatória. Ao fundo, os belos casarões dos endinheirados da cidade completam o cenário, com os manauaras, basicamente homens, vestindo ternos, seguindo a moda dos países frios.
Grandiosas edificações, que hoje sequer chamam a nossa atenção, talvez fossem motivo de orgulho para os manauaras daqueles tempos, por isso ilustram muitos postais, como a Beneficente Portuguesa, em vários ângulos; o Gymnasio Amazonense (atual D. Pedro II); o Palácio da Justiça e até a Casa Vinte e Dois Paulista, sem falar dos que foram colocados ao chão, como o Prédio da Saúde e o casarão dos Miranda Corrêa. Um postal assinado com a data de 30 de agosto de 1906, da ponte Benjamin Constant (de ferro), que liga o Centro ao bairro da Cachoeirinha, ainda traz a frase manuscrita, ‘bons bairros de Juliette’. Quem seria Juliette?
“Mas eu tenho vários outros com mensagens manuscritas, acredito que, os mais antigos, com caneta tinteiro. Raridades que conseguiram chegar aos nossos dias”, disse Robervan.
A cartofilista Maria de Mello
Uma personagem que faz parte do universo cartofilista baré é Maria de Mello. Em alguns dos postais de Robervan, de 1917 e 18, aparece sua assinatura. Robervan conseguiu descobrir que Maria de Mello foi uma cartofilista daqueles tempos e costumava enviar postais para amigos de vários lugares, pedindo que os devolvessem selados. Com isso o postal se tornava mais valioso pelo fato de ter circulado.
“Todos os cartofilistas de Manaus possuem algum postal assinado por Maria de Mello, o que torna a peça mais valiosa ainda”, esclareceu.
Robervan afirmou que, apesar de existirem cada vez menos bancas de revistas na cidade, as poucas que restam ainda vendem postais.
“Um postal tem um ângulo que, às vezes, você não consegue fotografar com o celular por isso, acredito, eles vão continuar existindo por mais algum tempo. Se pararmos para analisar, um postal é uma peça de arte. Quem os compra são os turistas porque o postal revela determinada cidade e acho que sempre foi assim. Então devem ter muitos postais da Manaus da belle époque espalhados pelo mundo, em mãos de colecionadores”, revelou.
Sendo um comerciante de peças colecionáveis, Robervan procura conciliar o colecionador, que não abre mão de suas peças, e o comerciante, que vive de suas vendas.
“Não tenho interesse nenhum em vendê-las, mas dependendo do valor oferecido pelo interessado, sempre há a possibilidade de a gente pensar”, concluiu.
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