24 de novembro de 2024

Na cheia, Jandr Reis chama atenção para poluição nos rios

Artista plástico atraiu público e atenção da mídia ao instalar dezenas de luvas amarelas nas águas da cheia, no Centro

 A cada grande enchente do Negro, a população manauara transforma o acontecimento num evento festivo. Foi assim em 1953 (29m69), 2009 (29m77) e 2012 (29m97) e está sendo assim agora, quando a enchente promete bater o recorde de 2012. Diariamente a frente de Manaus fica repleta de pessoas fotografando, sob os mais diversos ângulos, as águas que chegam de mansinho. De banho de uma falsa ‘sereia’ nas águas podres à instalação do artista plástico, nas mesmas águas, chamando a atenção para a poluição dos igarapés de Manaus, tudo remete à enchente.

Domingo passado, 23, Jandr Reis chegou cedo ao local, nas proximidades do Relógio Municipal, trazendo dezenas de luvas amarelas para montar a instalação ‘Mãos que matam’.

“Cheguei por volta das 6h. Não montei a instalação para atrair público, mas para a filmagem de cenas para o vídeo que estamos produzindo para o projeto ‘Mãos que matam’. Nem lembrei que a Feira da Eduardo Ribeiro já está acontecendo. Quando vi, um monte de pessoas estava nos arredores fotografando e filmando, também”, riu.

Jandr Reis chegou cedo ao local, nas proximidades do Relógio Municipal Foto: Divulgação

Chamavam a atenção na instalação as dezenas de luvas amarelas boiando nas águas que já tomam os arredores do Relógio, mas esse tipo de arte não é novidade para Jandr. Na década de 1990, numa outra cheia, que não foi tão grande, ele usou do mesmo expediente, luvas amarelas boiando nas águas da Ponta Negra.

“O amarelo chama muito a atenção, e é uma cor que gosto de usar nos meus trabalhos. Escolhi aquele local porque não é todo dia que vemos a Eduardo Ribeiro como foi um dia, um igarapé, sem falar que o Relógio é um símbolo de Manaus”, explicou.  

Cores com batom e esmalte

Jandr Reis é um artista consagrado em Manaus. Nascido na cidade de Óbidos, no Pará, em uma família bem humilde, desde muito cedo ele começou a literalmente fazer arte, com os primeiros rabiscos. Não satisfeito com os traços sem cor dos lápis que a mãe lhe dava, sem que ela percebesse, o menino começou a usar seus batons e esmaltes para colorir os desenhos que fazia. Até urucu Jandr utilizava, em busca de cores.

“Foi uma infância muito pobre, mas eu era feliz. Com 16 anos vim para Manaus e aqui fui atrás de me tornar um artista plástico”, lembrou.

Seu primeiro contato com a arte aconteceu na década de 1980, numa exposição de Moacir Andrade, que acontecia na Pinacoteca do Estado, então localizada na Biblioteca Pública. O rapaz ficou simplesmente encantado com a obra do mestre e ali mesmo decidiu que queria fazer aquele tipo de trabalho. Já empregado, com o salário, passou a investir em material, tintas e telas, e começou a pintar, pintar um quadro atrás do outro, com paisagens de natureza, que bem conhecia do interior da Amazônia. Trabalhava de dia, estudava à noite, no Colégio D. Pedro II, e quando chegava das aulas, ia pintar.

“Não era fácil. Cansado do trabalho e das aulas, ainda me dedicava à pintura, mas era o que eu gostava de fazer. Querendo me tornar artista, de verdade, resolvi procurar um artista de verdade, e esta pessoa foi o Jair Jacqmont”, recordou.

Jandr mostrou seus trabalhos para Jair, alguns trazidos de Óbidos, e recebeu o primeiro conselho do mestre. Que parasse de pintar paisagens e fizesse coisas diferentes, abstratas. Tempos depois, em 1991, Jair organizou a primeira exposição de Jandr, na Pinacoteca.

Próximas instalações

Além da pintura, Jandr, atendendo aos conselhos de Jair para ser diferente, começou a produzir obras, esculturas, com resíduos sólidos: arame, papelão, isopor, madeira, que ele catava nas ruas do Centro comercial, material dispensado pelos lojistas. Exposições e instalações se tornaram constantes em sua carreira, e ele firmou seu nome nas artes plásticas do Estado. Uma de suas instalações mais famosas reuniu quatro mil copos com águas dos rios Negro e Solimões e consta na Enciclopédia do Itaú Cultural.

As luvas tinham isopor dentro, um dos resíduos que mais são encontrados nos igarapés e lixões da cidade Foto: Divulgação

No domingo, Jandr começou a montar a instalação ‘Mãos que matam’ às 6h, com previsão de encerrá-la às 8h, tempo suficiente para fotografar e filmar, mas a obra atraiu tantos interessados, que ele a manteve até o meio-dia.

Todas as luvas tinham isopor dentro, um dos resíduos que mais são encontrados nos igarapés e lixões da cidade. Na base de cada balão, uma pedra para fazer peso e um pedaço de chumbo, para graduar.

Ao final da instalação, Jandr recolheu todas as luvas, que darão continuidade ao projeto.

“A próxima instalação acontecerá ou no igarapé do 40, ou no igarapé de São Raimundo, ou onde houver poluição, e sempre tem. Trata-se de um grito de alerta para que as pessoas parem de descartar resíduos de forma errada. A última locação do projeto será em Anavilhanas, em Novo Airão. Ao final, todas as luvas serão doadas para organizações de catadores de lixo”, adiantou.

A próxima instalação acontecerá ou no igarapé do 40, ou no igarapé de São Raimundo Foto: Divulgação

No vídeo do projeto ainda constam versos do professor Fernando Antônio Carvalho Dantas, um defensor da natureza e do meio ambiente, criados exclusivamente para o vídeo, que ainda não tem data para ser lançado.

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio

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