18 de outubro de 2024

A boiada do Salles custou R$ 3 bilhões (Parte final)

Concluo este artigo comentando a minuta do Projeto de Lei (PL) aprovada na Câmara Federal que em nada acrescentou ao marco regulatório do licenciamento ambiental vigente, a não ser, propor mecanismos de flexibilização que corrompem o Sistema Nacional de Meio Ambiente, consagrado nos diversos arranjos produtivos e econômicos, internos e externos, como referência mundial de governança até o Governo Bolsonaro.

A incapacidade de diálogo e a incompetência em mediar e enfrentar os diversos conflitos de uso da terra pelo atual Governo Federal reforça os objetivos escusos por trás da ‘proposta sallesiana’ que custou aos cofres públicos a liberação de R$ 3 bilhões de um ‘orçamento paralelo’, consubstanciado nas ações de um presidencialismo de coalisão e moralidade de troca. 

Dois conceitos ditos ‘novos’ foram criados no artigo 4º das disposições gerais do PL: a “licença ambiental por adesão e compromisso – LAC” e a “licença de operação corretiva – LOC”.

A LAC “atesta a viabilidade da instalação, ampliação e operação de atividade, ou empreendimento, aprova as ações de controle e monitoramento ambiental e estabelece para a sua instalação e operação e, quando necessário, para a sua desativação”, exigindo um “relatório de caracterização do empreendimento – RCE”.

Os artigos 11º e 21º do PL disciplinam o uso da LAC: “em serviços e obras direcionados à ampliação de capacidade e pavimentação em instalações pré-existentes, ou em faixas de domínio”; e, “não seja a atividade, ou empreendimento potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente”, respectivamente.

Estamos recriando a roda?

No site do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM (www.ipaam.am.gov.br), qualquer empreendedor pode solicitar online a sua Declaração de Inexigibilidade, que atua como documento legal expedido pelo Órgão Estadual de Meio Ambiente – OEMA, credenciando o licenciamento ambiental de qualquer atividade produtiva pouco significativa à degradação ambiental. 

Há ainda subjetividade perigosa no artigo 11º aprovado no texto do PL… vejamos alguns exemplos vivenciados em casos locais.

A abertura e pavimentação das vias do Distrito Industrial de Manaus, sem o devido dimensionamento dos sistemas de drenagem, provocaram enormes processos erosivos, voçorocas gigantescas. São crateras tão imensas que permitiram a ocupação espontânea de populações, a exemplo da comunidade Parque Mauá, no bairro Mauazinho em Manaus. 

E o que dizer do deslizamento ocorrido no Porto Chibatão em 2010 (complexo portuário licenciado pelo IPAAM), por sobrecarga nas áreas de servidão em ampliação. A movimentação de massa gerou vítimas e enormes prejuízos financeiros.

A proposta da LOC no PL, definida no artigo 22º como um “licenciamento ambiental corretivo voltado à regularização de atividade, ou empreendimento que […] esteja operando sem licença ambiental”, me parece uma proposta que busca ‘premiar o empresário criminoso’.

Todos somos responsáveis pelo conhecimento das Leis. As Leis Ambientais vigem desde a década de 1980, portanto, a sociedade brasileira sabe quais atividades produtivas devem receber, dependendo do impacto, o licenciamento ambiental.

Trago o exemplo da atividade de mineração artesanal (garimpo), que no Sistema Estadual de Licenciamento Ambiental do Amazonas possui mais de 40 pedidos de licença de operação. 

Embora, atualmente, não estejam emitidas licenças de operação pelo IPAAM, por decisão da Justiça Federal, a existência de atividades produtivas informais não as tornam marginais, no interesse escuso do ilícito. Nas últimas décadas, muitas cooperativas minerais funcionaram com licenças de operação a partir da assinatura de um instrumento consagrado no Direito Ambiental – o Termo de Ajuste de Conduta Ambiental (TACA). 

Assim, não é preciso criar-se arremedos burocráticos e flexibilizações para mudar o que vem dando certo. 

Sugiro aos interessados em conhecer como funciona o licenciamento ambiental no Amazonas a leitura da Lei Nº 3.785, aprovada em 24 de julho de 2012. Veremos que já possuímos governança socioambiental legitimada pela história da Política Estadual e Nacional de Meio Ambiente.

Nossa solidariedade à Letícia

Descrevo o que ocorreu com a empresária Letícia Pereira Estrela, detentora de uma Permissão de Lavra Garimpeira – PLG protocolada em julho de 2020 na Agência Nacional de Mineração (ANM). A atividade está licenciada através da Licença de Operação – LO nº 219/2020 emitida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Itaituba (PA), com validade até 14 de novembro de 2021.

No último dia 15 de maio de 2021, o ministro Salles e equipe do IBAMA e Forças Especiais participavam de operação de combate aos crimes ambientais na região. 

A empresária, apoiadora do Governo Bolsonaro, foi receber o ministro de Meio Ambiente Ricardo Salles no aeroporto de Itaituba, momento que apresentou a ele documentos referentes ao seu empreendimento, a Fazenda Rio Novo, um benchmarking local às atividades de Lavra Garimpeira consorciada ao Sistema Agroflorestal para Recuperação de Áreas Degradadas. Ato contínuo, convidou o ministro e sua equipe a visitar o projeto, distante cerca de 1h 30 minutos de carro, desde Itaituba, onde seus 15 trabalhadores receberiam a comitiva.

Acreditem se quiser, vejam o que aconteceu…

A operação, coordenada por Salles, desceu com seus helicópteros na área da PLG pertencente à senhora Letícia, dando ordem de prisão aos trabalhadores, quebrando e ateando fogo aos equipamentos… numa verdadeira operação “para inglês ver”… 

Não se esperava tamanha atrocidade observada num empreendimento licenciado, contra brasileiros, trabalhadores, formalizados, que tiveram destruídos seus instrumentos e capacidade produtiva…

O crime praticado por Salles e seus asseclas não se justifica: a atividade localiza-se próxima ao centro urbano de Itaituba, onde há representações institucionais que poderiam servir como “fiéis depositários” na guarda de eventuais equipamentos ilícitos flagrados pela ação de polícia. 

Fogo Amigo? 

Me parece mais despreparo de quem nunca esteve à altura do cargo que ocupa e, até, desespero após a denúncia crime do delegado da Policia Federal Alexandre Saraiva que envolve atores do Ministério de Meio Ambiente, recentemente, acatada pelo Supremo Tribunal Federal – STF. 

Portanto, senhor ministro, ou quase ex-ministro Salles, Senhores (as) Legisladores (as), reitero, concluindo: NÃO PRECISAMOS DE UM NOVO MARCO REGULATÓRIO AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. 

AS LEIS JÁ EXISTEM!

CUMPRI-LAS, É O QUE TODOS ESPERAM: O ESTADO, O MERCADO E A SOCIEDADE!

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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