6 de outubro de 2024

Conto de Natal – Respeito às diferenças

Hoje, por volta das 11h30, na frente da escola Esperança, no Bairro São José Operário, em Manaus, eu presenciei dois colegas de classe conversando sobre o trabalho que a professora acabara de passar para eles. 

— O que é mesmo para fazer, Diego? — Assim como você Alexandre, eu também não entendi muita coisa. — Então vamos pedir ajuda do Igor? — Não, do Igor não. Ele é muito egoísta – respondeu Diego. — Eu sou mais próximo dele. Se a gente não fizer esse trabalho, vamos ficar reprovados. — Vamos pedir ajuda da Juliete, ela sim me parece mais humilde – sugeriu Diego. — Então vamos – concordou Alexandre. — O trabalho é muito simples – disse Juliete. É para escrevermos uma redação de no mínimo vinte linhas e no máximo trinta linhas falando sobre o Natal – explicou. — Como assim, sobre o Natal? – insistiu Alexandre demostrando total desconhecimento sobre o tema. — Sobre o Natal, horas! Você não sabe o que é o Natal? — Não. Infelizmente não. Não sou cristão. A minha família não comemora o Natal. Não sei nem por onde começar. — Deixa comigo Juliete que eu explico tudinho para ele, afinal, amigo é para essas coisas – disse Diego. — Então até amanhã colegas – despediu-se Juliete. “Tchau” – responderam juntos, parecendo que tinham ensaiados, de tão sincronizados que responderam. Depois que Juliete se afastou, Alexandre perguntou: — Diego, me explica uma coisa. Por que você disse que o Igor não iria nos ajudar? — Eu já te disse, porque ele é egoísta. — Ele já negou alguma coisa para você? — Ele não, a família dele. — Mas Diego, ele pode ser diferente. — Não. Não pode. Nós somos como os nossos pais são. — O que o pai dele te fez para você pensar assim? — Um dia eu te conto. Agora vamos apressar o passo porque se não nossos pais vão ficar preocupados. — Eu não tenho pai, amigo! – disse Alexandre. — Como assim, não tem pai? Você é filho de chocadeira? — Eu quero dizer aqui no Brasil. — Você não é brasileiro? — Não. Eu sou venezuelano. — Caramba, nem parece, você fala tão bem o português. — Pois é. Chegamos aqui já faz um tempinho. — Com quem você mora aqui no Brasil? — Com a minha mãe e meus três irmãos. — E o seu pai? Diante daquela pergunta, Alexandre mudou o semblante. — Vocês estão gostando de viver no Brasil? Mesmo com a cara fechada e visivelmente chateado, Alexandre respondeu: — Sinceramente, se eu pudesse escolher eu estaria morando no meu país. — Mas lá está tudo difícil, há muita pobreza… Alexandre estava visivelmente abatido. A sua feição ficou ainda mais pálida; ele não gostava que ninguém falasse mau do seu país, e colocando a mão direita no ombro esquerdo do colega, disse: — Diego, ninguém gosta de ser imigrante. Nós formos obrigados a fugir do nosso país. Fomos expulsos. Largamos tundo. Os nossos amigos… à voz ficou embargada e as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Alexandre. — Vamos mudar de assunto – disse Diego também com à voz rouca e embargada, percebendo que tinha sido indelicado falando mal do país do colega. E continuou: — Mil desculpas. — Tranquilo, amigo! – disse Alexandre. — Você está certo. O passado é passado e nós não podemos mais alterá-lo. — Deixemos o passado no passado – disse Alexandre. — Isso mesmo, vamos falar do futuro. — Vamos falar sobre o trabalho da professora Carmen – insistiu Alexandre, agora com o rosto mais alegre. — Acho que foi por isso que nós nos demos tão bem, assim, logo de cara – disse Diego.  — Pois é. Eu também acho – concordou Alexandre. — Diego – continuou Alexandre – como eu vou escrever um texto sobre o Natal se eu não sei nada sobre o assunto? — Não se preocupe Alexandre, você vai conseguir. — Acho que não! Eu não entendo nada sobre o Natal. — Peça ajuda para a sua mãe. — Já te disse, não somos cristãos. — Independentemente de religião, certamente sua mãe saberá lhe ajudar.  Todas as mães são sábias, meu amigo! – disse Diego. Em casa, Alexandre perguntou para a sua mãe: — Mãe, o que é o Natal para a senhora? — O Natal para mim meu filho, é respeito. Respeito às diferenças. Respeito às minorias. Respeito às crianças. Respeito aos idosos. Respeito à natureza. Respeito às leis. Respeito. Respeito. Respeito… E assim, com a ajuda de sua mãe, Alexandre escreveu um verdadeiro tratado filosófico. 

No outro dia na escola, depois que a professora Carmen leu a redação do Alexandre, ela disse:  — Educação é uma via de mão dupla: por um lado os pais ensinam os valores morais para seus filhos e por outro os professores transmitem o conhecimento aos estudantes. Se todos agissem assim o país apresentaria resultados melhores na qualidade do ensino e da educação, e certamente seríamos um povo mais esclarecido.

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.

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