A tragédia dos Yanomami é emblemática de nosso país paradoxal. Reflete a insensibilidade e a falta de respeito com os povos originários do Brasil, a quem este país deve muito, mas continua a negligenciar. Na realidade, o desrespeito aos indígenas é também um desrespeito à nossa Constituição Federal e aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. É indispensável que a Nação Brasileira desperte para um modelo de civilização que considere os povos indígenas parceiros indissociáveis de nosso processo de desenvolvimento, a fim de que ele seja sustentável. Nesse sentido é fundamental a compreensão da complexidade da questão, inclusive no território milenar que transcende nossas fronteiras nacionais. Precisamos de razão ética associada à sensibilidade humana, que se complementam, como impulsionadores de uma cultura de tolerância e de solidariedade. Somos capazes disso, se quisermos. Temos bons exemplos do passado e do presente. Devemos tê-los como referência e motivação transformadora.
Medidas óbvias se fazem imperativas, como já está acontecendo: a imediata e eficaz assistência nutricional e médica para nossos irmãos yanomami e a retirada completa dos garimpeiros de seu território. No entanto, a complexidade dos problemas exige um planejamento para medidas posteriores que devem ser implementadas pelo Poder Público, com apoio da sociedade. Sugiro algumas:
- Ações efetivas para a recuperação dos ambientes degradados pelo garimpo ilegal, que permitam a progressiva descontaminação das águas e dos solos, que foi provocada pelo uso de mercúrio nos rios e igarapés da reserva, além dos danos causados por outras práticas predatórias. No caso, envolve um diagnóstico socioambiental sério, realizado com perícia técnica e participação dos próprios representantes indígenas.
- Um sistema de monitoramento permanente do território yanomami, com a implementação de postos de fiscalização bem aparelhados da Funai, Exército, Marinha, Ibama, ações sistêmicas de controle aéreo pela Aeronáutica e de investigações e repressões de ilícitos pela Polícia Federal, no que couber. Este sistema precisa atuar cooperativamente com as lideranças indígenas da região;
- Um plano de sustentabilidade ecológica, que priorize os aspectos nutricionais e de saúde, além dos sistemas produtivos e de geração de renda local, de modo integrado com os indígenas, respeitando suas características socioculturais.
- Um pacto com os países amazônicos vizinhos, especialmente a Venezuela, que deve ser chamada às suas responsabilidades quanto aos yanomami que habitam seu território e que, embora numa situação menos dramática do que a dos seus irmãos habitantes do Brasil, também são constantemente ameaçados por garimpeiros – a maioria brasileiros – e outros invasores.
Penso que também cabe uma ação integrada de cooperação entre as Nações Unidas, o Brasil e a Venezuela em relação aos indígenas Warao, que subsistem com grande dificuldade em Roraima, no Amazonas e vários outros estados do Brasil. Estes indígenas necessitam ser devidamente assistidos nos seus próprios territórios ancestrais, na Venezuela, para evitar sua migração para o Brasil, onde dificilmente conseguem se readaptar com dignidade. No caso, que os governos de ambos países – de modo cooperativo- busquem superar este outro drama indígena. Tanto quanto os yanomami e outros seres humanos vulnerabilizados, os Warao precisam ser visibilizados e inseridos numa Política Pública Integrada entre os dois países. Não dá para relevar o sofrimento dos indígenas que saíram da Venezuela, por conta da fome, da desnutrição e da falta de condições básicas de sobrevivência. Grande parte deles, inclusive as crianças, nas esquinas de nossas cidades, suplicando mantimentos para sobreviver.
Concluo destacando uma mulher notável que partiu para a Eternidade nesta quinta-feira, nos deixando um legado excepcional como profissional do jornalismo, como cidadã, como pessoa humana: Glória Maria. Sua vida foi como um farol de liberdade e de amor num país e num mundo ainda tão cheios de injustiças e de violência contra as mulheres, as crianças, os homossexuais, os negros e os indígenas , à exemplo do sofrimento de nossos irmãos Yanomami. Uma mulher negra, de grande talento e motivação extraordinária, que foi pioneira de conquistas valiosas, que servem para nos mostrar e nos inspirar de que vale a pena, sim, trabalhar firme contra a discriminação, as injustiças, o ódio e o preconceito. Vale a pena, amar. Viva os Yanomami. Viva Glória Maria. Viva o Brasil.