24 de novembro de 2024

Carnaval revive legado do português

Mais uma história de sucesso ganhou vida na avenida do Samba no último sábado de carnaval em Manaus. A Escola de Samba Primos da Ilha homenageou o fundador do Grupo Tv lar, José Azevedo no desfile do Grupo Especial. Uma história rica e cheia de sucesso que fortaleceu os laços entre um imigrante português e o Amazonas.

Conhecido como José Azevedo, nasceu na pequena aldeia denominada Albergaria-a-Velha, em Portugal, no dia 23 de junho de 1933, num certo domingo, dia do Senhor, talvez para lembrar de ter sempre em mente a religiosidade de seu existir. Seus pais eram José da Silva Azevedo (o mesmo nome de seu avô) e Maria da Silva Santos. Ele, amazonense, e ela, nascida em Portugal, onde se casaram, em 24 de setembro de 1932.

A família, constituída dos pais e da irmã – esta ainda no ventre materno – iniciou a longa e cansativa viagem rumo a sua nova e promissora terra, o Brasil, sem esquecer a sua origem e sua pátria-mãe, Portugal. Aportaram em Manaus no dia 3 de novembro do ano 1934 e, aproximadamente um mês e meio após a chegada, nasceu Maria da Conceição dos Santos da Silva Azevedo, possivelmente em homenagem à padroeira do Amazonas, sua terra natal. José e Maria tornam-se órfãos de mãe em tenra idade, quando ele tinha apenas três anos e ela dois. Situação dificultada pelo distanciamento do pai que, buscando superar desafios, foi assentar-se no Baixo Amazonas.

Com a orfandade dos netos, Dona Maria, sua avó, experimenta, a partir de então, a realização da missão de ser, ao mesmo tempo, avó e mãe para os pequenos órfãos. Como uma águia, não mediu esforços para mantê-los sob sua proteção, forjando neles, através de ensinamentos e exemplos, valores morais, nobreza de caráter e firmeza de personalidade. Assim, não negligenciou na formação educacional de José Azevedo e também no senso de religiosidade, ambos pilares de uma vida correta e íntegra, preparando-o, dessa forma, para enfrentar as circunstâncias da vida e também despertar-lhe a noção de empreendedorismo.

Na juventude, em razão de sua determinação em buscar conquistas por meio do trabalho, aproveitava as férias para trabalhar como aprendiz de sapateiro e carpinteiro. Mas também buscava qualificação. Concluiu o curso de Técnico em Contabilidade e, já inclinado para o rádio e suas técnicas, fez curso de Técnico em Eletrônica, por correspondência, no Instituto Universal Brasileiro que tinha sede no Estado de São Paulo. Um dos fatos importantes que marcou esse início de vida profissional foi a função que exerceu a partir de 1950, como aprendiz de radiotécnico. 

Em 6 de fevereiro de 1964 montou sua própria loja, a TVLar, semente fértil que se multiplicaria e daria origem à grande empresa em que se transformou seu legado empresarial. Era especializada em comércio de componentes eletrônicos e assistência técnica. 

Com o surgimento da Zona Franca de Manaus (ZFM) iniciou a importação de televisores e aparelhos eletrônicos, bem como, de motores para embarcações, na década seguinte, tornando-se, aos poucos, referência regional. Desde o início, talvez como efeito das dificuldades materiais vividas na infância, José de Azevedo preferiu buscar os clientes mais simples da sociedade, aqueles com poucos recursos, mas desejosos de adquirir um bem que lhe melhorasse a vida. 

Um exemplo dessa solidariedade com os mais humildes foi a abertura, em outubro de 1980, de uma loja TVLar na Colônia Antônio Aleixo, comunidade de hansenianos, ex-hansenianos e seus familiares, e que teve funcionamento até meados da década de 90. Os mais antigos também contam como era comum ver pequenas aglomerações de gente simples, em frente à loja matriz na Henrique Martins, para assistir, em televisores recém importados que eram mantidos ligados, as lutas do Tele Ringue, exibidas pela TV Ajuricaba e comandadas pelos radialistas Arnaldo Santos e Luiz Saraiva, no início dos anos 70.

Em 6 de fevereiro de 1964 montou sua própria loja, a Tv lar que veio a se tornar a mega varejista que é orgulho do Amazonas

Lição de empreendedorismo

O empresário que construiu um grande legado na história do comércio, indústria e economia do estado do Amazonas sempre empreendeu com tenacidade e com invejável capacidade de ultrapassar crises e desafios. A Importadora TVLar, iniciada modestamente lá em 1964, com as facilidades da Zona Franca de Manaus (ZFM), começou a comercializar produtos importados do Panamá e a oferecer como diferencial a garantia de manutenção aos produtos.

“Vendíamos de tudo, desde rádios, ventiladores até geladeiras e frigoríficos. O nosso lema era: a TVLar vende, instala e dá garantia”, conta José Azevedo. Aos poucos, as filiais TVLar vão surgindo na cidade, dando origem a uma robusta rede de lojas de eletromóveis que logo também começou a chegar nos municípios próximos a Manaus, como Manacapuru, Presidente Figueiredo, Coari.

A rede de lojas TVLar, a rede de concessionárias Yamaha, o Manaus Plaza Shopping, a sociedade na Yamaha Motor da Amazônia, entre outros, expressam a dimensão do Grupo TVLar, sonho concretizado do visionário empresário José Azevedo. No ano que esse legado completa 58 anos de fundação é honroso registrar que ele é fonte de trabalho e renda para milhares de famílias, que recolhe vultosos valores como tributos, que se faz presente em quase uma centena municípios e que continua fiel ao seu lema: “ajudar as pessoas a viverem melhor.”

Legado de um gajo sonhador

José Azevedo, homem de vanguarda, tenaz, ousado, resiliente, mas também amoroso, generoso, justo, solidário. Tinha senso de humor aguçado e era muito sensível, chegando a se emocionar com a situação do interiorano e de comunidades isoladas pelo preconceito. Fazia questão de entrevistar os futuros funcionários da empresa e, por isso, conhecia cada um deles e os tratava, informalmente, como “meu filho” ou “minha filha”.

Com sua proverbial simplicidade repetia frases que se converteriam quase em mantras, como “quem não vive para servir, não serve para viver” ou “primeiro vem a empresa e depois a família, porque se a empresa for bem a família também estará bem”, que refletem aprendizado da vida. Também ecoava, sobre honestidade e austeridade econômica, o que aprendeu com a avó, Dona Maria: “dívida a gente paga nem que tenha que comer palha” ou “a gente ganha três vinténs, gasta dois e guarda um para o dia de amanhã”.

“Comecei bem cedo a minha luta e o objetivo era um só: tirar a minha avó [Maria Ferreira Bernardes] daquela vida sacrificada que era submetida para sustentar a mim e minha irmã. Ela lavava roupas todos os dias. Depois de engomá-las, mandava eu entregar a trouxa para o freguês. Cresci querendo tirá-la do serviço e consegui”, recorda.

Eis a história de gajo sonhador que teve a avó Maria Bernardes como esteio e grande exemplo de vida e que o inspirou a tornar-se vitorioso nesta terra dos Manaó, do grande líder Ajuricaba.

Nota de esclarecimento: Este texto foi produzido por Raimundo Nonato Negrão Torres, com contribuições de José Alberto da Costa Machado, e composto a partir de entrevistas com familiares, funcionários antigos da TVLar e, especialmente, consultas à biografia de José Azevedo, escrita por Abrahim Baze (BAZE, Abrahim. A saga de um imigrante português. 1. ed. Manaus: Importadora TVLar, 2004) e editada pela Importadora TVLar.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.

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