21 de dezembro de 2024

Gisele Alfaia, a denúncia do desmate e o anúncio da utopia Amazônia

Celebrando uma das formas que a modernidade criou para registrar a Amazônia, entrevistamos a fotógrafa Gisele Alfaia, para entender sua arte, seu olhar, sua inspiração de fotografar a fragilidade do paraíso estético representado pela floresta. Com seu olhar, Gisele consegue fazer a Amazônia representar a si mesma, seu apelo por perenidade e os riscos de sua fragilidade e depredação.

Entrevista com Gisele Alfaia

Seus registros da Amazônia são verdadeiros documentos que estão perenizados para a humanidade. As imagens valem mais do que 1000 palavras para a floresta permanecer viva? Como vc define sua devoção pela Amazônia?

Sem dúvida. A palavra faz pensar e a imagem esclarece, confirma! Em tempos de internet, comunicação rápida, a imagem muitas vezes é uma “isca” para se transmitir um conteúdo maior, além de ser um veículo de mais fácil alcance do que um longo texto…Isso definiu, inclusive, minha escolha pelas artes visuais em vez da poesia, que foi uma primeira inclinação.

Quanto à opção pelo tema amazônico e a defesa de sua causa, foi mesmo para atender a um chamado antigo de alma. Eu e meu marido somos pescadores esportivos e, aos poucos, o convívio com a floresta, foi me fazendo parar de pescar, tamanha a beleza que se descortinava ao meu redor. Os verdes exuberantes, os ruídos da mata, a fauna, os penetrantes olhos das crianças ribeirinhas e o milagre das cores representado em cada um pôr-do-sol Amazônico.

A fotografia foi a maneira que encontrei pra contar histórias da floresta à medida que me aprofundava em seus mistérios. Minha imersão na natureza me fazia acreditar que aqui tudo que permanece se aproxima da perfeição do Criador. Recentemente, porém, ao retornar ao Rio Abacaxis, que havia me encantado por suas pedras coloridas, vi que o garimpo ilegal o havia desfigurado de tal maneira que me levou às lágrimas. Pela insânia humana, vejo os botos rareando e a floresta ardendo em incêndios criminosos.

Então, como ter olhos apenas para a beleza se havia outra realidade que eu não poderia omitir? Seria como escolher a superfície tola da beleza inconsciente e da cegueira artística. Foi nesse momento, crucial para mim, que escolhi SIM, a força da beleza da Amazônia como veículo para expressar o que sinto, atrair olhares, despertar emoções, seduzir despudoradamente para a causa Amazônica, que afinal, é causa vital e razão de luta para toda humanidade.Você diz que seus referenciais estéticos são pintura e poesia. Beça, Tufic, Thiago…Sebastião, Belem, Chaves… As águas, o Sol … Compartilhe seus recados poéticos a respeito de tantas paixões pelas manifestações da Amazônia pelo Belo.

Minha primeira referência foi meu avô, Genesino Braga. Poeta, historiador, intelectual, amante dos livros. Leu inteirinho para mim, então aos 7 anos, a obra de Raul Bopp, “O Cobra Norato”. Nada me encantou mais do que isso e comecei a rabiscar pequenos “poemas”. A poesia passou a fazer parte indissociável de minha descoberta do mundo. Meu avô também falava dos grandes mestres da pintura e tinha a casa repleta de reproduções, como também colecionava obras de artistas locais, seus amigos. Herdei dele a tela “Luar Amazônico” de Branco e Silva, que fez a dedicatória no próprio quadro. Minha mãe, muito ligada às letras, também se encarregou de enfatizar a pintura e a poesia no meu cotidiano.

Depois, já bem mais tarde, quando finalmente tive consciência do meu papel como artista, filha da terra e, principalmente, loucamente apaixonada pela paisagem amazônica, elegi a fotografia como meio de expressar minha arte. Mas não pude deixar de trazer para ela, o que já me inundava a alma: as cores fortes dos pintores nativos e a poesia de Beça, Thiago, Tuffic, Almino Affonso e principalmente Alcides Werk, minha maior inspiração, por sua poesia simples e tão amorosa com a terra (ou região?), que nem era sua terra natal.

É a ele que dedico meu recado poético:

Eu moro na mesma torre do Alcides...

Daqui vejo “as nuvens rosa pairando sobre tudo”.

Daqui, em tempos de cheia me estico e “espio o boto pular sem pudores”.

Daqui, pressinto “os gafanhotos verdes, tontos de luar” nas “ canaranas que, como cílios verdes, enfeitam as margens em noites em que a lua nasce cheia e prenha de raios de sol.

Também “cogito” sobre as águas negras da minha varanda: “aqui viajou Cobra Norato”, embalada no colo do meu avô, enfeitiçada pelos sons, “álacres, profusos” da floresta que seriam do livro de Raul Bopp.

Daí começou a magia.

Daí começou a viagem.

Gauguin, Monet, Degas, Renoir… os impressionistas transformaram a contemplação do Belo como critério de verdade e da vida como oposição ao caos. Em tempos de desinformação e disseminação de inverdades e violência contra mulheres e crianças, sua obra informa, espalha a beleza e a verdade, exalta as mulheres e prioriza a sacralidade das crianças… Este é o modo Gisele de resistência? 

Sim, meu trabalho encaixa “como uma luva” nas características do impressionismo. Sua inspiração naturalista, a preferência por espaços abertos, a valorização dos efeitos da luz e a busca pelo movimento na imagem.

E essa maneira de sensibilizar com um chamado para a contemplação do Belo, é o meu grito, a minha forma de resistência pela floresta em pé, pelos direitos dos povos ribeirinhos, enfim, pela Amazônia Viva.

Alfredo Lopes

Escritor, consultor do CIEAM e editor-geral do portal BrasilAmazoniaAgora

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