Continuando o artigo da semana passada, saiba como poderíamos nos beneficiar com o desenvolvimento de combustíveis sustentáveis para a aviação, uma das tecnologias consideradas emergentes pelo relatório publicado pelo Fórum Econômico Mundial.
Segundo os autores do relatório, DiChristina, Sang-Yup e Calderwood, o setor de aviação é responsável por 2 a 3 por cento das emissões globais de CO2 anualmente. Se mantiver o ritmo demandado pelos negócios deste setor, são projetadas emissões na ordem de 39 gigatoneladas de CO2 entre 2022 e 2050.
Com a demanda crescente por viagens aéreas, reduzir essas emissões poluentes é um grande desafio para a humanidade. Uma solução promissora é o Combustível de Aviação Sustentável (SAF, na sigla em inglês), produzido a partir de recursos biológicos (como biomassa) e não biológicos (como CO2 capturado).
Hoje, o SAF representa menos de 1% da demanda de combustível usado pela aviação global, mas essa demanda pode aumentar entre 13-15% em 2040, a fim de ajudar a colocar a indústria da aviação no caminho da neutralização de carbono até 2050. E se esse aumento se confirmar, isso exigirá a criação de 300-400 novas plantas de SAF, razão pela qual as companhias aéreas, fabricantes e empresas de combustível estão trabalhando 24 horas por dia para permitir esse nível de escala.
Para exemplificar, segundo uma entrevista publicada no The Guardian, aqui no Reino Unido, um magnata chamado Dale Vince está planejando lançar uma empresa pioneira de aviação elétrica, a Ecojet, com previsão de iniciar suas operações em 2024 com um avião contendo 19 lugares que voará entre a capital da Escócia, Edimburgo, e a cidade portuária de Southampton, distante cerca de uma hora e vinte minutos de avião. Inicialmente, no primeiro ano será usado combustível à base de querosene, mas os sistemas e seus motores serão testados e adaptados para converter hidrogênio verde em eletricidade. Outro diferencial será a oferta de refeições à base de plantas, bem como uso de uniformes da tripulação ecologicamente corretos.
Outro caso é a United Airlines, que em 2015 anunciou que faria um investimento de US$ 30 milhões na Fulcrum BioEnergy, a fim de desenvolver um programa para produzir combustíveis de baixo custo e sustentáveis para a indústria da aviação.
Em dezembro de 2020, ela se tornou a primeira empresa aérea dos EUA a anunciar seu comprometimento em reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 50% até 2050, e mais recentemente lançou uma nova meta de ser 100% verde até 2050. Entre vários programas está a Eco-Skies Alliance, lançado em abril de 2021, cuja parceria com várias empresas aéreas permitiu a compra de cerca de 15 milhões de galões de SAF até o momento.
O fato é que a produção de SAF, a partir de matérias-primas usando energia renovável, vem aumentando constantemente. Segundo a Associação Internacional Aérea de Transportes, a produção de SAF alcançou pelo menos 300 milhões (otimistamente 450 milhões) de litros em 2022, quase o triplo do produzido em 2021.
Como resultado, o crescimento do mercado de SAF está demandando mudanças na forma de fazer política, nas regulamentações, bem como inovações em engenharia biológica, química e de processos.
E alguns países já saíram na frente com políticas e estratégias de formação de parcerias com as empresas aéreas, valendo a pena destacar o caso da Noruega, pois em 2018, suas autoridades foram as pioneiras em introduzir um mandato de mistura para a aviação. A partir de 2020, tornou-se uma exigência que 0,5% de todo o combustível de aviação vendido na Noruega seja biocombustível avançado (exceto para combustíveis vendidos às Forças Armadas).
Além disso, o parlamento da Noruega adotou uma meta de 30% do combustível de aviação naquele país ser composto por biocombustível avançado até 2030. E este relatório <https://bit.ly/3NUFeQu>, publicado em outubro de 2020 pela Indústria de Aviação da Noruega, apresenta um panorama do que eles têm feito para alcançar as metas do Acordo de Paris, incluindo incentivos e investimentos em SAF.
Além disso, a Noruega também apoia projetos de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) em países como a Indonésia e até o Brasil, usando os créditos gerados para compensar emissões domésticas.
Dessa forma, parte das políticas públicas no Amazonas já deveriam estar sendo direcionadas para fortalecer os profissionais de engenharia química, mecânica e ambiental, pois eles têm papel importante para alavancar as tecnologias de SAF. Os cientistas e engenheiros bioquímicos e de bioprocessos também podem contribuir no design de novas formas biológicas de produção. Além deles, investimentos em formação poderiam focar nos especialistas em logística e infraestrutura, pois eles gerenciam a integração do SAF na vasta cadeia de suprimentos de combustível de aviação.
Os Governos Federal e do Amazonas podem maximizar a captação das oportunidades de desenvolvimento sustentável que essa tecnologia oferece, das seguintes formas:
1) Regular o mercado de Carbono no Brasil, pois já perdemos muito tempo e dinheiro por não apresentar aos investidores e ao mundo as regras desse setor.
2) Aumentar investimentos para a preservar a floresta amazônica por meio de créditos de carbono tipo REDD+, sendo vendidos para companhias aéreas que buscam compensar suas emissões.
3) Combater implacavelmente o desmatamento ilegal e estabelecer parcerias com produtores de biomassa sustentável na região, como resíduos agrícolas e florestais, para o fornecimento de matéria-prima ao processo de produção de biocombustíveis.
4) Atrair investimentos para construção de biorrefinarias para produção de SAF no estado, oferecendo benefícios fiscais e facilidades logísticas.
5) Fomentar a atração de centros de P&D e formação de recursos humanos qualificados para as tecnologias envolvidas na fabricação e uso de SAF.
6) Propor políticas de incentivo ao uso de SAF pelas companhias aéreas que operam voos saindo dos aeroportos do Amazonas, como percentuais mínimos de mistura ou descontos em taxas aeroportuárias.
7) Estabelecer acordos bilaterais com outros estados ou países que tenham demanda por créditos de carbono para viabilizar projetos conjuntos envolvendo SAF.
8) O mais importante, dar total transparência para a sociedade, bem como compartilhar efetivamente os benefícios trazidos com essas parcerias para a população local, ao invés de apenas ficar nas mãos de poucos políticos, empresários e seus contratados.
Para o(a)s interessado(a)s em conhecer o estado da arte do SAF, neste link < https://link.lens.org/YZlhNNxCuCg > há um relatório com 112 publicações sobre o assunto.
Finalmente, o Amazonas poderia alavancar seu potencial em biomassa e florestas para se consolidar como um hub de produção e créditos de carbono associados ao SAF, atraindo investimentos e gerando benefícios econômicos, ambientais e sociais para a população.