Anderson F. Fonseca. Advogado. Professor de Direito Constitucional. Especialista em Comércio Exterior e ZFM.
IG: @anderson.f.fonseca
Segundo consta no meio jurídico, poucos mitos são mais improváveis de serem desmentidos do que a afirmação de que “o cargo de ministro do Supremo não se pleiteia nem se recusa”, frase retirada de um diálogo ocorrido em 1907 entre o Presidente da República Afonso Pena e o então Advogado Pedro Lessa, até hoje repetida por dez entre dez aspirantes a Suprema Corte brasileira.
De acordo com o relato histórico, no início do Século XX Afonso Pena nomeou para o cargo de Ministro do Supremo o Advogado Pedro Lessa, dono de uma das mais famosas bancas de Advocacia de São Paulo, sem consultá-lo previamente ou tampouco estender-lhe o convite, simplesmente apareceu nomeado.
Lessa era naquela quadra histórica titular de uma carreira acadêmica do Largo de São Francisco, além de possuir uma rentável banca jurídica, o Supremável já nomeado foi ao Presidente para agradecer a nomeação e informar que preferia ficar em São Paulo a assumir o cargo no Supremo, ao que o Chefe do Executivo lhe disse que como Presidente da República cumprira sua missão de escolher para a Suprema Corte o melhor nome que havia para o cargo e ele, o escolhido, que cumprisse o seu papel de simplesmente aceitar a função em nome da Pátria. Pedro Lessa foi empossado em 20 de novembro de 1907 e permaneceu no Supremo até a sua morte em 1921.
Ao indicado, uma vez aprovado pelo crivo do Senado da República, é dado fazer o compromisso formal previsto no Regimento Interno do Supremo onde se lê: “Prometo bem e fielmente cumprir os deveres do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, em conformidade com a Constituição e as leis da República.” Questão que se propõe nesta singela reflexão, ante a recém aprovada nomeação de Cristiano Zanin, advogado do Presidente Lula durante sua passagem pelo processo da operação lava-jato, e da breve indicação da vaga a ser aberta com a aposentadoria da Ministra Rosa Weber, é exatamente quais os critérios necessários para ser um Supremável, é dizer, o que leva um nome a ser considerado para a mais alta Corte de nosso país, quais os atributos necessários para que um candidato venha a proferir o compromisso de fielmente cumprir os deveres do cargo de Ministro do STF.
De há muito sabe-se que o caminho percorrido até o Supremo não é previsível, retilíneo, direto, mas sim permeado de atalhos, de igual maneira afastou-se a ideia de que o candidato haveria de ser politicamente neutro, afinal se o STF é órgão político, como não haveria de ser os candidatos a compor esta Corte, a despeito disso, em análise retrospectiva das indicações em nossa jovem república, a contar da promulgação da Constituição de 1988, observamos um processo indicatório em parte subordinado a atos políticos menores, pequenas idiossincrasias presidenciais, agradecimentos por apoios, uso de mecanismos de marketing, existência de padrinhos fortes, confiança pessoal, amizade ou aproximação do Presidente da República na pessoa e não no perfil do futuro julgador, ter sido ministro da justiça, professor de Direito, linhagem jurisprudencial, manifestações acadêmicas anteriores pouco são levadas em conta.
Principalmente após o período pós Ação Penal 470 (Mensalão) e todo o processo lava-jatista aperceberam-se os Presidentes que indicações ao Supremo superam o período de permanência a frente do Executivo, continuam a gerar efeitos para além do término do mandato eletivo de quem os indicou, com isto, e diante do fato de que uma indicação mal calculada pode levar ao sentido oposto ao desejado, passou-se a ter maiores critérios, dentros dos critérios constitucionais, para as indicações, inobstante, grosso modo não há um projeto de corte constitucional nas plataformas eleitorais dos Presidentes.
Dentre os critérios previstos na Constituição: ser brasileiro nato, ter idade entre 35 e 65 anos, possuir reputação ilibada e notável saber jurídico, especial atenção em regra é dada a este ultimo, previsto em nossa primeira Constituição Republicana de 1891 literalmente “O Supremo Tribunal Federal compor-se-á de quinze juízes […]dentre os cidadãos de notável saber e reputação”, posteriormente modificado na Constituição de 1934 para “notável saber jurídico” em vista da histórica nomeação do médico clínico-geral Barta Ribeiro e dois generais, Francisco Raimundo Ewerton Quadros e Inocêncio Galvão de Queirós para vagas do Supremo, regra esta que seguiu reproduzida em todas nossas Constituições.
Notável saber jurídico é termo subjetiva e abstratamente aberto e impreciso que dá azo a “modelagem” do candidato a depender da boa vontade dos avaliadores, no caso os Senadores que sabatinam o escolhido, raramente um sarrafo elevado demais para os indicados ao cargo.
Fator de relevância nas últimas indicações certamente passou a ser o posicionamento politico do Supremável, não confundindo com o compromisso partidário, mesmo porque a Constituição veta a atuação politico-partidária dos magistrados, contudo, se no passado a preocupação era de ter-se alguém que votasse com o governo nas ações presente no Supremo, hoje a análise de risco é de se saber se o candidato irá se alinhar e manter-se alinhado com o pensamento/necessidades de quem o indicou, de sua base ou até mesmo de seu partido, haja vista o histórico da taxa de fidelidade política ou de “agradecimento” de um ministro ser seletiva e variável com o tempo.
Estas e outras questões em regra dirimidas ou aferidas diante dos membros do Senado, casa Constitucionalmente responsável pela famosa sabatina.
De histórico de questionamentos superficiais, sabatinas se resumiram a ressaltar as qualidades presentes no currículo do candidato, o seu charme e simpatia, amenidades sem maior rigor em se procurar saber se o então supremável possui os qualificativos necessários ao cargo almejado como também se a linha de pensamento ali demonstrada será a mesma ao se assumir as função, não raro há casos de drástica mudança de posicionamentos uma vez empossado o escolhido.
Em termos práticos as Sabatinas são um termômetro do grau de popularidade do Presidente, de seu nível de articulação com os representantes da “Câmara Alta” da República, mesmo porque sabatinas informais, consultas sigilosas entre os membros dos Poderes, jogo de interesses, disputa entre candidatos (inclusive com a elaboração de dossiês) definiram o destino de vários Supremáveis , ainda assim desde a época do Presidente Floriano Peixoto, o Senado nunca recusou um indicado a Suprema Corte.
Diante disto e dos recentes casos encontrados nas indicações mais recentes, Zanin inclusive e aquelas do porvir, com a aposentadoria de Rosa Weber, propomos uma via mais consentânea com os ideiais democráticos, uma aferição a se esclarecer ou avaliar o sentido ético e político da indicação: qual o grau de proximidade entre o indiciado e o Presidente? Qual o histórico de sua atuação jurídica? Possui causas pendentes diante de quais tribunais? Possui parentes no setor público? Qual o histórico de sua declaração de bens? O que dizer das prerrogativas inerentes ao exercício da advocacia?
Passou-se da hora de se criar uma cultura ético-jurídico-política em que a sociedade tenha a mais perfeita noção e conhecimento acerca de quem é o Supremável e o que dele se espera, além de ter parte ativa nesta escolha, evitando-se situações tais como descritas pelo jurista Pontes de Miranda no livro Comentários à Constituição de 1946: “Em certos momentos da vida republicana do Brasil, um médico e dois grandes generais do Exército foram nomeados para o Supremo Tribunal Federal. Se, em verdade, não se repetiu isso, é inegável que nomeações houve, de bacharéis, que não foram, intelectual ou moralmente, melhores”.