Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM. IG: @anderson.f.fonseca
Já se tornou tradição, incorporada no calendário oficial e festivo da cidade de Manaus o denominado “Passo a Paço”, uma iniciativa do então prefeito Arthur Neto para comemorar o aniversário da capital amazonense, teve sua versão primeira por volta do ano de 2015 ocupando o Centro Histórico com a reunião de atividades culturais e a mais variada gastronomia, criando e destacando este evento como roteiro turístico de nossa cidade.
Quase uma década depois, com edições suspensas somente nos anos de isolamento pela pandemia, o manauara novamente tem a oportunidade de conferir o evento agora denominado “#Sou Manaus – Passo a Paço” no feriado prolongado do mês de Setembro, iniciando no dia 05 (dia da Amazônia) e finalizando no dia 07 (dia da Independência).
Novamente o Centro Histórico será o destino de atrações nacionais e internacionais espalhados em sete palcos, com cerca de 600 artistas, 65 atrações locais, será, de acordo com a propaganda da Prefeitura : “o maior festival de artes integradas da região Norte” , um fenômeno que transcendeu suas próprias fronteiras com a marca de 380 mil pessoas em 2022.
Pois bem, fenomenal também tem sido as circunstâncias que cercam o evento deste ano, desde cobrança de ingressos para um evento público, até a suposta falta de transparência na prestação de contas e apresentação de documentos e contratos para pagamento das principais atrações, dentre elas uma de renome internacional, o produtor musical e DJ francês David Guetta que no festival de Vigo, na Espanha, ocorrido no dia 20 de Agosto último recebeu Um Milhão de Euros, cerca de Cinco Milhões de Reais, para participar daquele evento.
O festival de Vigo guarda também mais uma semelhança com o que ocorrerá em terras manauaras, ambos são gratuitos, porém, para aqueles que gostam de sentir de perto a emoção e ver os artistas mais próximos do palco, há o custo de aquisição de pulseiras, no festival espanhol com o investimento de $5 a $15 euros, por aqui entre R$300 e R$600 reais.
Semelhanças e disparidades à parte o Alcaide Manauara, quem sabe tal qual seu contraparte espanhol, após ser indagado acerca dos custos e investimentos empregados, com alguns edis solicitanto inclusive a criação de CPI a respeito, Ações intentadas na Justiça pela Defensoria Pública (ante o silêncio ocasional e já rotineiro da OAB) e determinação do Tribunal de Contas do Estado para suspensão de cobrança de ingressos, convocou coletiva de impensa para tentar justificar que investimentos em cultura para este mega evento foram custeados em maioria pela iniciativa privada.
Sem apresentar qualquer tipo de comprovação informa a municipalidade que entre 19 e 22 empresas estariam custeando o evento e somente uma parte sairia efetivamente dos cofres públicos, dái a cobrança de ingressos, inclusive por empresas contratadas previamente para organizar o evento, além de prestadores que possuem contratos outros com o poder público municipal, ao que tudo indica contratados diretamente sem o procedimento licitatório.
Ao que tudo indica também há certamente uma falha de comunicação e compreensão, afinal pelo previsto em lei por se tratar de evento de cunho artístico há possibilidade de contratacão direta, sendo inexigível a licitação em tais casos, haja vista a singularidade de quem irá prestar os serviços, pois não há dois David Guetta no mundo, tampouco pode-se mensurar o teor artístico de um Zeca Pagodinho ou de uma Joelma.
O que certamente deve ter passado desapercebido é o fato de que a despeito de inexigível a licitação, não se dispensa a realização de contrato com a ampla publicidade acerca de valores e natureza do serviço ou bem adquirido, mesmo aqueles realizados em parceria com a iniciativa privada, afinal o que se espera perseguir e proteger é o interesse público, principalmente quando este é chamado a comprar ingressos de quem se espera uma atuação pública, afinal já custeada com impostos, ainda que em percentual reduzido.
Em giro outro nunca se viu nos últimos anos tamanho empenho para reforma e pintura de prédios e locais onde serão montados os palcos, tudo para (conforme informação oficial no site da Prefeitura) “valorizar o Paço da Liberdade, além de valorizar e ressignificar o espaço onde nasceu Manaus”, o centro histórico de nossa querida capital.
Na esteira deste entendimento e valorização gostariamos que o “Paço a Passo” fosse então um evento para os 365 dias do ano, afinal não é de hoje que o centro histórico se encontra abandonado, lojas abrindo mais tarde e fechando mais cedo por conta da falta de clientes, em grande parte afastados pela insegurança, estrutura de transporte precário, ausência de limpeza e manutenção das ruas e avenidas além de um verdadeiro descaso com os lojistas e comerciantes que enfretando estes e outros desafios permanecem ali com seus negócios.
Segundo a propaganda oficial este é um evento para deixar um legado para nossa Manaus, oxalá que este dito legado não seja esquecido, se houve toda uma força política da Prefeitura para captar investimento privado para este mega evento é de se esperar que o mesmo esforço seja empregado na reforma, reconstrução e manutenção do centro histórico, preservando este núcleo econômico gerador de emprego e renda para tantos.
Por fim, passo a passo temos até aqui visto um desenrolar de eventos nada republicano no tocante ao modo como se está gerindo a coisa pública nesta grande comemoração cultural, creio que todos somos a favor de uma grande festa, mas não a este preço.