23 de novembro de 2024

Em busca da independência

Breno Rodrigo de Messias Leite*

A construção da Independência do Brasil foi uma peça histórica dividida em vários atos. A imagem do Grito do Ipiranga, consagrada e imortalizada no monumental quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, é uma simplificação da verdadeira imagem da Independência, das suas causas e consequências no contexto nacional, regional e internacional no primeiro quartel do século XIX.

Longe de assumir as cores de um genuíno processo revolucionário, a Independência brasileira nasce de um longo arranjo entre as elites combinada às irrefreáveis mudanças na ordem internacional. É evidente que a transferência da família portuguesa para o Brasil, depois das invasões napoleônicas, ajudou no projeto da Independência. Assim, repentinamente, o território do Brasil Colônia torna-se não só o centro do Império Português, mas também o do extenso Império Ultramarino na triangulação atlântica entre Rio de Janeiro, Lisboa e Angola. A liberdade de comércio impulsionou profundamente as mudanças na antiga colônia, dando ares de civilidade, sobretudo no Rio de Janeiro, na nova capital do Império.

De fato, o Brasil Independente foi marcado por uma espécie de síntese confusa, algo, aliás, muito particular na história nacional e internacional do país.

Por um lado, a independência em relação a Portugal. Já na transição, as autoridades brasileiras emitem uma série de atos para o imediato reconhecimento diplomático do Brasil na comunidade internacional. Tal esforço tinha como objetivo romper o isolamento imposto e recriar os laços diplomáticos com as potências europeias e americanas. No Manifesto aos Governos e Nações Amigas, documento redigido por José Bonifácio em nome do Príncipe Regente, foi o ponto alto do direito internacional brasileiro e do espírito de solidariedade entre as nações: “A Minha firme Resolução, e a dos Povos que Governo, estão legitimamente promulgadas. Espero pois que os homens sabios e imparciaes de todo o Mundo, e que os Governos e Nações Amigas do Brazil hajam de fazer justiça a tão justos e nobres sentimentos. Eu os Convido a continuarem com o Reino do Brazil as mesmas relações de mutuo interesse e amisade. Estarei prompto a receber os seus Ministros, e Agentes Diplomaticos, e a enviar-lhes os Meus, em quanto durar o captiveiro d’El Rei Meu Augusto Pai. Os portos do Brazil continuarão a estar abertos a todas as Nações pacificas e amigas para o commercio licito que as Leis não prohibem: os Colonos Europeus que para aqui emigrarem poderão contar com a mais justa proteção neste Paiz rico e hospitaleiro. Os Sabios, os Artistas, os Capitalistas, e os Empreendedores encontrarão tambem amizade e acolhimento: E como o Brazil sabe respeitar os direitos dos outros Povos e Governos Legitimos, espera igualmente por justa retribuição, que seus inalienaveis direitos sejam tambem por elles respeitados e reconhecidos, para se não ver, em caso contrario, na dura necessidade de obrar contra os desejos do seu generoso coração.” Tampouco, podemos deixar de lado os fatores domésticos, como a Guerra de Independência nas províncias do Norte e Nordeste e a legitimidade em torno da questão dinástica.  

Por outro lado, houve na construção da Independência uma clara dependência e subordinação em relação aos interesses britânicos. Se a Independência de Portugal foi um ato unilateral e conflitivo, o mesmo não pode se dito em relação às grandes potências, notadamente a Grã-Bretanha. Toda legitimação da independência foi amplamente negociada pelos diplomatas brasileiros e seus interlocutores estrangeiros. O custo da legitimidade da Independência foi consentir ao sistema de tratados desiguais impostos pelos britânicos. Logo, era de interesse da maior potência marítima manter a sua posição privilegiada no comércio internacional.

A luta pela Independência atravessou capítulos outros nas suas relações internacionais. Além de Portugal e Grã-Bretanha, França, Áustria, Rússia, Estados Unidos, Espanha e Argentina entraram paulatinamente na lista de nações amigas. É certo que nossas elites balançaram entre duas tendências: a vontade de resistir e enfrentar os potenciais inimigos externos; e abdicar vis-à-vis os eventuais ganhos políticos que porventura pudessem lograr das grandes potências. Ao fim e ao cabo, o reconhecimento internacional da soberania brasileira garantiu ao governo monárquico a legitimidade necessária e, assim, fez nascer o corpo diplomático brasileiro.  

A inserção internacional do Brasil só se tornou possível graças a sua política de acomodação, negociação e neutralidade empregada pela diplomacia. Esta é, aliás, uma característica indelével da diplomacia brasileira que se iniciara na construção da Independência e que dura até hoje. 

E nestes últimos 200 anos, como temos conduzidos a nossa Independência, os valores pátrios e o interesse nacional? A luta pela independência nacional é perene e não pode cessar um só minuto. O sistema internacional continua estruturalmente competitivo e orientado pelos interesses egoístas dos Estados nacionais. E é neste cenário que o Brasil precisa defender os seus interesses estratégicos, os seus valores nacionais e a sua soberania. A busca da independência é definida, portanto, por uma política exterior consciente de sua autonomia; obediente às normas do direito internacional; e dos princípios da cooperação internacional, do multilateralismo e do regime democrático. Independência jamais pode ser sinônimo de renúncia dos interesses nacionais. Pelo contrário. É em nome dos interesses nacionais que o Brasil precisa lutar por uma ordem internacional coerente ao sistema de regras e ao princípio da igualdade dos Estados na comunidade internacional. Ser independente significa poder sonhar com um país livre, mais justo e orgulhoso de seus valores nacionais.   


*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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