*Carmen Novoa Silva
Um milhão e quinhentos mil jovens com o rosário nas mãos. Isso ocorreu no Canadá, em julho de 2002, durante o encontro da juventude com o Papa João Paulo II (Jornada Mundial da Juventude) efetivado de três em três anos, sendo cada vez em país diferente. Muitos pensarão sobre essa prática devocional: Isso é arcaico! Pura beatice! Não se coaduna com o espírito do terceiro milênio deificado pelo cientificismo. Muitos veem o terço como objeto decorativo de oratórios (sempre sobre uma Bíblia aberta) em casas grã-finas; ou como acessório indispensável a um buquê de noiva. Mas o fato acima foi verídico. E testemunhado por um filho meu presente à peregrinação. Justamente no final desse ano João Paulo II (16/10/02) redigiu a Carta Apostólica “Rosarium Virginis Mariae” (Rosário da Virgem Maria) e surpreendeu os fiéis com o anunciar do ano de 2003 como o Ano Do Rosário, inserindo neste mais um mistério que denominou de mistérios de Luz ou luminosos aos outros já existentes. A intencionalidade dessa instauração é a da revalorização do rosário como instrumento da paz tão precisa pelo mundo atual, quando na iminência de uma guerra de proporções inimagináveis. Historicamente sabe-se que o rosário (repetição da saudação Angélica e a bendição de Isabel por cento e cinqüenta vezes tantas quantas são os salmos do saltério de David no Antigo Testamento) foi instituído por S. Domingos e difundido pela Ordem Dominicana no século 12. Séculos depois (18), São Luis Grignion de Monfort foi um grande propagador desta devoção e o papa Leão XIII promoveu no séc 19 o caráter devocional, dedicando o mês de outubro à Nossa Senhora do Rosário. No entanto, apossou-se o mundo de uma crise de oração. O terço (3 terços formam um rosário) e suas preces são tachadas de áridas, mecânicas e sem vida. A secularização e os humanismos ideologizantes foram em parte responsáveis por isso. A Crise da Oração deu-se porque o orar precisa de meditação e silêncio (nesse universo de ruídos!) para brotarem do coração. O rosário deve pois ser recitado como prece meditativa encontrando “Cristo nos mistérios, na escola de Maria. Somente assim veremos o rosto do Cristo nos irmãos e nos que mais sofrem” (João Paulo II). Faz-se necessário recordar que é oração bíblica cristocêntrica, pois os mistérios contemplados (Gozosos, Dolorosos, Gloriosos e agora Luminosos) são fatos da vida de Jesus e Maria. Recordam Sua encarnação, seus sofrimentos, morte, ressurreição e a glorificação da Virgem assunta aos céus. E os novos mistérios acompanham a vida pública de Jesus desde o Batismo no Rio Jordão, sua auto-revelação nas Bodas de Caná, anunciando o Reino, o momento da Transfiguração no Tabor e a Instituição da Eucaristia na Santa Ceia de Quinta-feira Santa. Tudo isso nas contas do terço que apresenta a história da salvação, da fé cristã, definido pelo pontífice como “Compêndio do Evangelho”. Pessoalmente conceituo como uma prece de orientação profundamente cristológica ao lado de Maria, “perfeito ícone da maternidade da Igreja, pois esta só vive em Cristo e em função de Cristo”. Hoje , quando não se tem tempo para o tempo, ter-se-á para o rosário? Adentramos na época da celeridade, da filosofia hedonista, da competitividade e imediatismo. Nas horas de folga assume-se a mentalidade onde o prazer (viagens e “La Vie en Rose”), segundo Voltaire é o objeto, o dever e o fim de todo o ser racional. Ao menos tente-se na vivência, reproduzir em atos, retidão de caráter, eticidade, solidariedade e concórdia, virtudes humanas. Tente-se atos de serviço. Virtude cristã. Inscrever-se num voluntariado, numa doação de si aos carentes. Isso é viver o rosário. É esta a sua intenção.
CARMEN NOVOA SILVA, é Teóloga e membro da Academia Amazonense de Letras e da Academia Marial do Santuário de Aparecida-SP