23 de novembro de 2024

Vozes da Educação de Manaus – Professora Liz Valente Neves

O projeto “Vozes da Educação de Manaus”, que tem como objetivo “Dar visibilidade ao trabalho e amplitude às histórias de vida dos professores e professoras de Manaus”, traz hoje a trajetória de vida da professora Liz Valente Neves na Educação de Manaus.

“Nasci em 16 de abril de 1973 em Manaus. Sou filha de Maria Salete Gama Oliveira e Geraldo Silva Oliveira. Como a maioria no Brasil, sou fruto de uma família bem misturada. Por parte de mãe, bisavó mura que nem falava bem o português e, sempre que podia me dava dinheiro às escondidas para comprar balas. Na casa da filha dela, minha avó Maria Valente, com esse nome, não é difícil adivinhar de quem ela era filha; o ‘biso’ Alexandre Valente veio de uma cidade chamada Ovar, que existe lá em Portugal. Nessa época, eu já sabia ler e já conhecia O Cazuza de Viriato Corrêa, mas hoje penso que minha avó era melhor que o Viriato, pois com ela, antes mesmo de conhecer o cinema, eu conheci o suspense, o terror, o drama e a aventura. 

Sou graduada em Licenciatura Plena em Educação Artística com habilitação em desenho e mestranda em artes visuais pela Universidade Federal do Amazonas em convênio com a Universidade de Santa Catarina (UDESC),  ilustradora, escritora e também professora de Artes aqui em Manaus, no Amazonas. Integro o quadro de imortais das seguintes academias: ALACA (Academia de Literatura Arte e Cultura da Amazônia) na cadeira de nº 132, ALCAMA (Academia de Letras, Ciências e Culturas da Amazônia) na cadeira 149, cuja patronesse é Maria Valente, e ACILBRAS (Academia de Artes, Ciências e Letras do Brasil) na cadeira de nº 1338. As histórias que gosto de escrever e ilustrar são as que mexem com as emoções, surpreendem o leitor ou ensinam algo para a vida.

Penso que ler vai além de um hábito, é experimentar tudo aquilo que não faz parte da nossa vida, é viver muitas vidas sem deixar de ser quem somos. Comecei no Centro de Artes da Universidade Federal do Amazonas em 1995, mas o fato que mais me marcou aconteceu em 1998, quando estive no Instituto Gamaliel de Educação. Passei o fim de semana inteiro treinando para tocar umas cantigas de roda no violão para meus alunos do Jardim 3 e, mesmo sabendo que era errado atirar o pau no gato, a geração anterior à minha e a minha própria geração, nós continuávamos a insistir nesse erro. Foi lá que as crianças me propuseram uma mudança para um mundo melhor, cantando a versão ‘Não atirei o pau no gato’. Ensinada pelas crianças do Jardim 3, percebi que era possível gerar pequenas, mas significativas mudanças no mundo. 

A educação em si melhorou muito. Hoje vejo colegas prezando pelo diálogo com os estudantes, fazendo da educação algo mais presente na vida deles, algo que se pode realmente levar para além da sala de aula. Ainda há os da ‘velha guarda’ que são relutantes a essas mudanças, mas esses estão, na sua maioria, a ponto de se aposentar! As realizações como professora foram muitas. A primeira vez foi quando entrei na escola já com o desafio de orientar e conduzir um sétimo ano na feira cultural da escola, uma turma que nunca havia ganho uma competição. Eu os encorajava em todas as aulas, para mantê-los animados e focados nas pesquisas. Presenciar uma turma inteira de quase trinta alunos gritando ensandecida, ver o choro da vitória nos rostinhos deles foi gratificante. Gosto que as pessoas que passam por mim, pela minha sala de aula, saibam o quanto elas podem ser realizadoras!

E nessa mesma época, tentei colocar meus quadrinhos e charges no mercado de jornais aqui em Manaus, recebi apenas algumas cantadas e muitos nãos. Cheguei a casa tão desolada e indignada que peguei todos os meus desenhos e joguei no lixo. O Genner, o meu esposo, foi lá, juntou tudo, desamassou e guardou, dizendo que eram muito valiosos e que um dia as pessoas veriam o valor do meu trabalho. Isso realmente aconteceu anos depois na publicidade local! E veio a oportunidade do mestrado, o estou cursando mesmo sabendo que a valorização financeira praticamente inexiste na instituição em que trabalho. Mas é um sonho antigo, esperei meus filhos Miguel (engenharia química) e Guilherme (odontologia) entrarem na faculdade para seguir com a carreira, com o apoio total do meu esposo, que está sempre me empurrando para frente. O doutorado está nos planos, espero que Deus me conceda saúde para realizá-lo.

Escrevi o livro ‘Canção para Acalmar Confusão’ e busquei cinco editoras que tivessem interesse em publicar, entre elas a editora portuguesa Flamingo, onde residia o meu desejo pelo ‘sim, queremos publicar seu livro’. E assim foi. Agora aproveito qualquer oportunidade para divulgar essa obra que fala sobre os efeitos do bullying e sobre a importância da empatia, da solidariedade, da compreensão e da amizade. Ser professor sem gostar de ler? Eu penso que não. Mas é necessário saber filtrar aquilo que te traz prazer na leitura. Eu gosto de crônicas, romances e fantasias. Fui assinante do Círculo do Livro, li além dos clássicos,  ‘Confissões de um espermatozoide careca’ de Carlos Eduardo Novaes,  ‘Mulher à Flor da Pele’ de Sílvia Grijó, ‘Crônicas que Salvam Almas’ de Francisco Nogueira, Respiro da Evany Nascimento etc.

Enfim, realizei o desejo de lançar meu livro luso-brasileiro na Bienal do Livro do Riocentro edição especial de 40 anos da Bienal. A carreira de escritora/ilustradora tem caminhado paralelamente à de professora, mas sei que vai chegar o dia em que terei que optar. E eu quero impactar outras vidas, quero escrever outros gêneros e alcançar outros públicos. Eu gosto de ser professora, e é por isso que desde 1995 leciono. São 28 anos, é praticamente um casamento, cheio de altos e baixos. Apesar de tudo, eu ainda acredito na educação, vale a pena ser professor, ser professora”.

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.

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