As lideranças empresariais do Amazonas estão se articulando em torno de soluções permanentes para tirar o Estado isolamento gerado pela vazante histórica deste ano. Os pleitos incluem o reforço e a manutenção das hidrovias utilizadas no trajeto de cargas para a indústria e comércio amazonense, com a dragagem dos rios Madeira, Negro e Solimões. E, principalmente, o destravamento das obras de reconstrução da BR-319. Com quase 50 anos de existência, a rodovia já completa três décadas sem manutenção, por força do abandono, embargos jurídicos e falta de vontade política.
A crise logística escalou neste mês, com a suspensão dos serviços de aportagem de navios cargueiros em Manaus. Distante dos demais centros urbanos do país, o Estado não dispõe de ferrovias e – virtualmente – de rodovias, ficando restrito aos modais de transportes de cabotagem e rodofluvial. O primeiro foi interditado pelo baixo calado dos rios Negro e Amazonas, enquanto o segundo amarga a interdição do Rio Madeira, em virtude de bancos de areia. O governo federal informa que as obras de dragagem já estão em curso, mas as lideranças cobram prazo para o término das obras.
Na semana passada, a Fecomercio-AM divulgou uma nota pública, pedindo as dragagens e a revitalização da BR-319. Pediu também, ao governo do Estado,uma dilatação do prazo de recolhimento do ICMS para 90 dias e a cobrança do tributo, “em caráter excepcional”, apenas sobre as mercadorias que efetivamente cheguem a Manaus. A nota foi subscrita pela Fieam, ACA, Sinduscon-AM e mais cinco sindicatos patronais e dez empresas.
Em paralelo, grupos de empresários têm conversado com políticos amazonenses para articular apoios, principalmente no âmbito federal. Ao menos dois senadores foram procurados na semana em que Manaus completava 354 anos: Omar Aziz (PSD-AM) – aliado do governo federal – e Plínio Valério (PSDB-AM) – na oposição ao Planalto. O consenso é que ainda é necessário convencer a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva da necessidade de destravar a BR-319. A representante do governo federal rebate, por outro lado, que nos 15 anos em que esteve fora do ministério, nada foi feito para tirar a obra do papel e que dois dos três senadores do Amazonas foram governadores nesse período.
“Vivendo de promessas”
O presidente em exercício da Fecomercio-AM, Aderson Frota, informa que a entidade vai entrar em contato com o Dnit, nos próximos dias, para saber qual é a efetiva previsão de conclusão das obras de dragagem do rio Madeira e o retorno da atividade de trânsito das balsas de Porto Velho a Manaus. Ele reforça que a nota pública foi produzida a partir de uma reunião realizada no dia 16 deste mês, com todas as entidades, armadores, operadores de carga e representantes dos dois portos privados, que apontaram suas preocupações e sugestões de providências.
De acordo com o dirigente, o próximo passo é convidar todos os políticos “que se manifestarem de forma bem veemente pela reconstrução da BR-319”, para esse esforço, em uma reunião a ser realizada nos próximos dias. Segundo Frota, as lideranças estão falando com os vereadores da Câmara Municipal de Manaus, com os deputados e senadores da bancada amazonense no Congresso e com os deputados estaduais da Aleam. A ideia é aproveitar o “cenário desfavorável” para mostrar “de forma veemente” a necessidade de destravar as obras da BR-319.
“Vamos produzir um documento, focando em todas as dificuldades que estamos passando, e levar ao presidente da República e ao ministro competente, para que essa questão seja desencantada. O governo tem que entender que a Amazônia é 61% do território nacional e não pode ser tratada como minoria”, anunciou. “Não podemos mais ficar vivendo de promessas e falsas perspectivas, tendo que combater falsos argumentos. Não estamos trabalhando em cima de realidades políticas, mas sociais”, emendou.
O comerciante questiona os sucessivos embargos às obras de revitalização da BR-319. “Tudo isso é conversa fiada. Existem rodovias na Amazônia que a ligam ao restante do Brasil, como a Belém Brasília [BR-153] e a do Acre [BR-364] entre outras. Qual é a dificuldade de nós termos a nossa? Acontece que o Amazonas tem um manancial de riquezas e uma conotação de encanto muito grande e todo mundo quer manter isso intocado. Mas, em nome de quem?”, questionou.
Infraestrutura e hidrovias
Texto distribuído pela assessoria de imprensa informa que o senador Omar Aziz se reuniu, na manhã de terça (24), em Brasília, com representantes da CDL-Manaus. Durante o encontro, diversas questões foram levadas pelos empresários, principalmente relacionadas à logística de transporte de mercadorias.
Segundo o parlamentar, um comerciante que hoje espera cerca de 20 dias para sua mercadoria chegar de navio, poderia ter a opção de fazer o transporte de forma mais rápida por caminhão. Omar ressaltou a importância da pavimentação da BR-319 e concorda que a rodovia poderia ser utilizada para reduzir os impactos logísticos da estiagem. Mas, ainda defende ações de infraestrutura para as hidrovias.
“É lógico que o transporte da grande maioria dos produtos será feito através da navegação, pois um caminhão só leva um contêiner, enquanto um navio traz 2,5 mil contêineres de uma vez só, por isso também precisamos fazer as hidrovias funcionarem plenamente. A grande luta é a BR-319 e a preocupação com a reforma tributária, mas acho que esse momento foi muito propício para o debate da importância da rodovia e a gente deve avançar nessa discussão e se Deus quiser conseguir o objetivo de tê-la asfaltada”, pontuou.
“Saída política”
No mesmo dia, a comissão de 21 empresários também esteve com o senador Plínio Valério (PSDB-AM), pedindo para que o parlamentar interceda junto ao governo federal em favor da BR-319. O empresário Francisco Zumaeta Rodrigues, da Importadora Barcelona argumentou que a falta da estrada provoca uma perda de 10 a 15 dias para o transporte de produtos para outros centros.
Os empresários, liderados pelo presidente da CDL Ralph Assayag, perguntaram o que poderia ser feito pela rodovia e receberam uma resposta taxativa. “Politicamente só vejo uma saída: a Marina sair. Por mais que a gente converse e explique que ainda estamos contando os mortos da covid, porque o oxigênio não chegou a tempo a Manaus naquela época, eles não estão nem aí”, estou.
O destravamento da BR-319 foi debatido entre lideranças políticas e a ministra, em reunião realizada no dia 18 deste mês. Ao jornal “Valor Econômico”, Marina Silva afirmou que a repavimentação é “um processo técnico”. “Ninguém dificulta, ninguém facilita. Quando o presidente Lula pediu os estudos é porque ele quer que se tenha as duas coisas: os empreendimentos, mas como sustentabilidade. Deixei de ser ministra em 2008. Se a BR fosse fácil de fazer, nesses 15 anos talvez tivesse sido feita”, encerrou.