A criação de um grupo de trabalho no Ministério dos Transportes para tratar do imbróglio da BR-319 trouxe alento às lideranças do Amazonas. Há quem entenda que, levando em conta o histórico de idas sem vindas em torno da questão, a sinalização é que as obras voltaram a ‘subir no telhado’. Mas, a maioria vê uma indicação na direção oposta, até porque o GT foi criado sem participação do Ministério do Meio Ambiente –pasta da qual partem as restrições às obras. Todos, no entanto, defendem que o Estado deve continuar reivindicando sua única ligação terrestre com o restante do país.
O grupo terá duração de 90 dias e foi criado na forma da Portaria 1109/2023, publicada no “Diário Oficial da União” do dia 17. Esta não é a primeira vez em que o Planalto adota solução parecida: em 2008, um grupo de trabalho do Ministério do Meio Ambiente debateu a mesma questão. A meta é realizar um levantamento sobre a situação atual da BR-319, com foco na identificação de “desafios para a otimização rodoviária”. Estudos, projetos e relatórios produzidos por outros grupos serão levados em consideração pelos participantes.
Terá representação de secretarias do Ministério dos Transportes e de entidades vinculadas, mas poderá consultar outros atores para assuntos relacionados. Texto da assessoria de imprensa do Ministério dos Transportes aponta que uma de suas principais competências será propor medidas para a melhoria da infraestrutura da BR-319, tendo em vista a sustentabilidade, a segurança viária e a mitigação de impactos ambientais e de mudanças do clima. Ao fim dos trabalhos, o GT deve consolidar uma nota técnica que servirá como documento de referência com encaminhamentos, metas, sugestões de responsabilidades e de governança, prazos, custos e uso de tecnologias.
“Trabalho integrado”
O Ministério dos Transportes está concentrado na execução de obras de infraestrutura na Ponte Curuçá, com previsão de conclusão em maio de 2024, e na revisão dos projetos da ponte Autaz Mirim, que deve ser concluída em agosto de 2024. Também está em estudo um novo modelo de gestão para monitorar e controlar a BR-319, com parcerias público-privada. Um Centro de Modelo Unificado integraria órgãos federais, implementando fiscalização eletrônica capaz de gerar alertas, supervisionar o tráfego e monitorar cargas e pessoas.
A primeira reunião do GT foi realizada nesta quarta (22), e conduzida pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, contando com a participação de diversos parlamentares da região Norte. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) expressou confiança na iniciativa. “Voltei animado. Não sei se agora sai, mas agora anda. O ministro foi governador, e sabe a importância desse tipo de obra. Ele demonstrou interesse. O grupo está fazendo um trabalho muito integrado”, comemorou.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) destacou a importância da celeridade das decisões para iniciar as obras nas cinco pontes danificadas e trechos de alagamento nos 400 quilômetros do “Trecho do Meio”, e lembrou que a licença prévia em vigor já permite a execução dos trabalhos, além das drenagens. E disse ser imprescindível abordar a regularização fundiária da região. “Os estudos não podem ser restritivos. Precisa-se criar alternativas de sustentabilidade que possam dar resposta de redução de desmatamento e que sustente a população que guarda aquela região”, defendeu.
O senador Omar Aziz (PSD-AM) destacou a importância da parceria entre governo federal, estadual e sociedade civil para viabilizar a governança na região de influência da rodovia, além do uso de novas tecnologias. “Nesse período de seca, tivemos milhares de contêineres parados. Não pense que vai aumentar muito o fluxo com a recuperação da rodovia. É diferente do transporte por navio e balsa, em que você traz uma quantidade maior de contêineres. O que nós queremos é fazer parte do Brasil e quem mora em Manaus poder sair para Alagoas de carro, por exemplo”, declarou.
“Procrastinação ou eficiência”
O presidente da Associação dos Amigos e Defensores da BR-319, André Marsílio, disse à reportagem que a medida federal pode ter dois caminhos. “Um é o da procrastinação para a liberação das licenças de instalação e operação. O outro, é eles criarem um GT eficiente e institucional, para acelerar o processo e ter as garantias ambientais necessárias. Tudo isso vai depender de quem vai comandar e as metas traçadas. Acredito que a tendência não seja procrastinar, pois o Dnit já inaugurou, neste ano, uma passagem de nível da fauna. Esse é um dos requisitos ambientais para pavimentação do Trecho do Meio”, argumentou.
André Marsílio diz que a entidade e todos os interessados na BR-319 estão “brigando há muito tempo” para tirar do papel as obras da rodovia. “A licença prévia foi emitida em 28 de julho de 2022 e tem validade de apenas cinco anos. Já se passou um e faltam quatro. É preciso acelerar o processo, para que não se vença essa licença que foi lutada e arduamente debatida em audiências públicas. Eles precisam também fazer as manutenções das pontes, para que não voltem a acontecer desabamentos”, afiançou.
PAC e Ibama
O presidente em exercício da Fecomércio-AM, Aderson Frota, avalia que a medida federal decorre de “pressões de todos os lados”. “Estivemos no Dnit e pedimos também dragagem e sinalização no rio Madeira. Se fizerem uma fiscalização como compete aos órgãos federais, não vai haver dano ambiental nenhum. Somos um dos dois Estados isolados do Brasil. Vamos voltar à carga e estamos articulando com todos os parlamentares do Congresso, para que isso não seja mais uma promessa, mas uma realidade”, frisou.
O presidente da Fieam e vice-presidente executivo da CNI, Antonio Silva, ressaltou que a repavimentação da BR-319 não é uma questão de “simples resolução”, e que ainda não dá para afirmar que a “celeuma” está mais próxima de uma solução definitiva. O dirigente destaca, no entanto, que considera que o governo federal tem sinalizado positivamente quanto ao interesse em avançar na consolidação da obra.
“A criação do grupo de trabalho tem a missão justamente de realizar levantamento acerca da situação atual, analisar os estudos e propor medidas sustentáveis e ambientalmente corretas. As obras da BR-319 também foram incluídas na lista de projetos para o Novo, ainda que na atual etapa não estejam previstos investimentos em infraestrutura logística. Temos observado uma postura positiva do governo federal em relação ao tema. Precisamos, contudo, avançar de maneira prática e objetiva sobre as questões sensíveis, notadamente a temática ambiental”, ponderou.
O vice-presidente da Fieam e presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalmecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, Nelson Azevedo, reforça que a revitalização da BR-319 é uma reivindicação antiga e salienta que a questão ficou ainda mais evidente sob os impactos da vazante histórica. “A caravana [de empresários] que foi até Brasília, no início deste mês, foi mais um esforço para mostrar as dificuldades e cobrar providências das autoridades. A falta de licenciamento ambiental no Ibama impede que o Dnit execute a obra. Parece-nos que reiniciar estudos é só uma forma de protelar a solução do problema. Mas, vamos continuar reivindicando a pavimentação”, concluiu.