23 de novembro de 2024

O que revelam os quase 70 mil registros da NASA?

Na véspera do dia do estatuto da terra, imagens dos satélites da NASA revelam milhares de fogos ao redor de Manaus, com destaque para determinadas cidades. Analisando cerca de 69.805 registros de fogos ativos ou de anomalias térmicas, este artigo identifica os principais municípios que mais incendiaram áreas verdes no Amazonas, agravando a poluição atmosférica regional.

Amanhã completa-se 59 anos da Lei 4504 <https://tinyurl.com/y2j6t7jk>, que gerou o estatuto da terra para promover reforma agrária e política agrícola no Brasil. O estatuto foi aprovado em 1964, em contexto de êxodo rural, pressão de movimentos sociais no campo e alta concentração fundiária, problema não resolvido até hoje: cerca de 3% dos donos de terras ocupam 57% da área agricultável do país <https://tinyurl.com/5n74epy9>.

Embora um relatório <https://tinyurl.com/4f8sk4nf> deste ano, do Banco Mundial, revele que a floresta Amazônica vale mais em pé (R$ 1,5 trilhão/ano) do que explorada pelos meios tradicionais (R$ 98 bilhões/ano), ainda há muito o que fazer para que o manuseio de nossas terras e florestas atenda parte das diretrizes desse estatuto ou das mais modernas boas práticas de desenvolvimento sustentável, especialmente em relação ao uso racional e planejado desses recursos. Para exemplificar o tamanho do desafio, de 1850 até 2021, o Brasil foi o quarto país do planeta que mais emitiu CO2 (113 gigatoneladas), com 97 Gt (86%) relacionados ao uso da terra e das florestas <https://bit.ly/3x8qvIP>.

Sem novidade, o mau uso das terras e das florestas afeta todo o meio ambiente, pois o desmatamento e as queimadas liberam grandes quantidades de gases poluentes na atmosfera, piorando a qualidade do ar, conforme temos presenciado todos os anos em nossas cidades do Amazonas. Diante disso, nos últimos artigos, foram apresentadas estatísticas envolvendo dados coletados do sistema FIRMS da NASA, relacionados às imagens de satélites que apontam fogos ativos e anomalias térmicas na região.

A coleta e análise desses registros vem desde outubro/23 quando Manaus ficou completamente encoberta de fumaças. A coleta se concentra em focos ocorridos em uma área que gira em torno de 300Km da capital do Amazonas, entre o período considerado mais quente, de 1º de agosto e 31 de outubro de 2023. Cada registro tem a latitude, longitude, data, horário, satélite, duas medições de temperatura de brilho (TB em Kelvin), nível de confiança, uma medição de Potência Radiativa de Fogo (PRF em MW), dia ou noite etc. 

Ao total, cerca de 80 mil registros foram coletados do site ou obtidos a partir de solicitação junto à NASA. Após isso, permaneceram apenas os com níveis de confiança acima de 30%, temperatura média de brilho acima de 300K (temperatura média da Terra), e PRF acima de 1MW. Assim, o número total de registros diminuiu para 69.805, dos quais 43834 (62.7%) vieram de satélites orbitais VIIRS (NOAA-20 e Suomi NPP; resolução de 375m) e satélites MODIS (Agua e Terra; resolução de 1Km), enquanto 25971 vieram do geoestacionário GOES16 (KLC/IPMA), cuja resolução é de 2Km.

Em geral, cada satélite orbital registra duas imagens por dia, sendo que o geoestacionário registra várias imagens por dia, conforme pode ser visto no link <https://firms.modaps.eosdis.nasa.gov/>. 

A seguir, buscou-se encontrar áreas com fogos de alta ou muito alta intensidade. A variável chave é a PRF, amplamente utilizada na literatura. Embora não haja consenso sobre a classificação da PRF em função da intensidade do fogo, com base nos estudos de Robert et al. (2005; https://tinyurl.com/ev77vppw), Silva-Júnior et al. (2018; https://tinyurl.com/bdhf7xw9) e Laurent et al. (2019; https://tinyurl.com/mr2725t6) criou-se as seguintes faixas: baixa (PRF<=50MW); moderada (50MW<PRF<=100MW); alta (100<PRF<=600MW); e muito alta (PRF>600MW).

Aplicando essas faixas, observou-se que a maioria (56.035; 80,27%) dos eventos é de baixa intensidade, seguido por 8522 (12.21%) focos moderados, 5125 (7.34%) de intensidade alta e 123 (0,18%) de intensidade muito alta, ou seja, grandes incêndios. Esse resultado sugere uma hipótese interessante: pequenos incêndios, embora gerem menos energia e fumaça de forma individual, quando somados, acontecendo de forma espalhada, descontrolada, em período de seca recorde, pode provocar danos substanciais à qualidade do ar amazônico.

Mas como o foco da pesquisa está nos casos mais elevados, uma segunda análise se concentrou nos 5248 focos considerados altos ou muito altos. Acontece que o satélite geoestacionário pode detectar vários focos sobre uma mesma região ao longo do dia, gerando múltiplos registros diários referentes a um mesmo evento. Para não superestimar a quantidade real de eventos distintos, foi aplicado um filtro, limitando para no máximo 2 registros diários por local, priorizando aqueles com maior valor de PRF. Assim, o total estudado foi 2274, dos quais 1810 vieram do satélite estacionário e 464 dos satélites orbitais.

Após isso, veio o trabalho mais demorado, utilizando ferramentas do Google Maps, para cada registro, foi identificada a geolocalização do foco, a cidade, a distância (em Km) até o centro de Manaus, um ponto de referência próximo da localização, o perfil do local onde o evento aconteceu e até foi possível estimar a área já destruída ao redor do local identificado.

Em grande síntese, a análise identificou que:

1) Segunda (348 focos com XPRF=241,53MW), terça (404; XPRF=210,7MW), domingo (311; XPRF=196,1MW) e sábado (356; XPRF=196,6MW) foram os dias mais críticos em termos de valor médio de PRF. Assim, constata-se que os finais de semana são os dias preferidos para promover queimadas mais intensas já que não há fiscalização, se estendendo para o início da semana.

2) A maioria (2000; 88%) desses eventos foi registrada pelos satélites no período das 12h às 18h, seguido (248; 11%) pelo período das 6h01 às 11h59. 

3)  A maioria (966; 42,5%) desses focos intensos aconteceu em áreas verdes próximas dos rios, lagos ou igarapés, seguido por áreas verdes próximas de áreas já destruídas (33,3%), totalizando 76% dos casos.

4) Quando se analisa a média da PRF de cada uma das 29 cidades identificadas, observa-se que as mais críticas são: Urucará (18 focos com XPRF=316,73 MW), Borba (161;XPRF=237 MW), Manaquiri (192; XPRF=225 MW), Novo Aripuanã (14; XPRF=223MW), Urucurituba (46; XPRF=221MW),  Nova Olinda do Norte (209; XPRF=216 MW), Autazes (487; XPRF=214MW), São Sebastião do Uatumâ (73; XPRF=213MW), Itacoatiara (338; XPRF=205MW), Manaus (43; XPRF=198MW), Anamã (61; XPRF=189MW), Careiro (222; XPRF=188MW), Novo Airão (16; XPRF=166MW), Boa Vista do Ramos (22; XPRF=164MW), Maués (49; XPRF=163MW), e Caapiranga (59 focos com XPRF=160 MW).

Por fim, este diagnóstico fornece mais transparência sobre a situação de um problema que está se tornando crônico, podendo ajudar as autoridades a repensarem suas prioridades e estratégias. E os próximos artigos focarão em cada uma destas cidades, com mais estatísticas, geolocalização e o acesso a um banco digital criado em plataforma da Universidade de Harvard, contendo as imagens dos locais mais críticos, com estimativa das áreas já destruídas, aguardem.

Jonas Gomes

Prof. Dr. Jonas Gomes da Silva - Professor Associado do Dep. de Engenharia de Produção com Pós Doutorado iniciado no ano de 2020 em Inovação pela Escola de Negócios da Universidade de Manchester. E-mail: [email protected].

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