23 de novembro de 2024

Os rastros da destruição das queimadas no Careiro

O artigo apresenta uma análise alarmante sobre 278 registros de grandes queimadas detectados por satélites da NASA na região do Careiro, próxima a Manaus, durante o período crítico de agosto a outubro de 2023. 

A região do Careiro, dividida em Careiro da Várzea e Careiro (ou Careiro Castanho), é marcada por sua proximidade com Manaus e sua rica geografia fluvial. Careiro da Várzea, a apenas 29 km de Manaus, abrange 2.627 km² e tem cerca de 19.637 habitantes, destacando-se por suas várzeas ao longo do rio Amazonas. Já Careiro Castanho, situado a 102 km de Manaus e com uma população de 30.792 habitantes, ocupa 6.096 km² ao longo do Rio Solimões e é notável por sua ligação com a BR-319. Ambas as cidades, com raízes remontando a 1870, tornaram-se municípios autônomos a partir de 1955. A região, além de estar próxima a Autazes, Manaquiri, Iranduba, Manaus e Itacoatiara, é entrelaçada por uma rede de hidrovias, incluindo os rios Solimões, Amazonas, Castanho, Mamori, entre outros.

Economicamente, segundo o relatório da SEDECTI de 2019, o Careiro e Careiro da Várzea ocupavam a 22ª e 24ª posições em PIB no Amazonas. Em 2021, de acordo com o IBGE, o Careiro da Várzea teve destaque nos setores Agropecuário (49,39% do PIB) e Serviço Público (41,68%), enquanto no Careiro, os setores mais relevantes foram o Serviço Público (55,97% do PIB) e Comércio e Serviços (18,56%). 

Prosseguindo com a série do JCAM sobre queimadas perto de Manaus, a análise de 2.253 registros críticos obtidos junto a NASA/FIRMS indicou que 278 ocorreram na região do Careiro, sendo 222 (80%) no Careiro do Castanho e 56 (20%) no Careiro da Várzea. Isso coloca a região como a terceira mais afetada, atrás de Autazes e Itacoatiara. E a análise revelou os seguintes resultados:

1) em termos de Potência Radiativa de Fogo (PRF), a maioria (272; 97,84%) foi alta, ou seja, acima de 100 MW e igual ou abaixo de 600 MW. Enquanto seis registros (2,16%) foram considerados muito altos (PRF>600MW), representando grandes incêndios.

2) os dias mais críticos em termos de número de focos foram domingo (70; 25,18%), sábado (42; 15,11%), terça (32; 11,51%) e segunda (28; 10,07%). Quanto à média da PRF (XPRF), os dias mais críticos foram domingo (XPRF=249,32MW), sábado (XPRF=166,59MW) e terça (XPRF=165,68MW), seguidos por segunda (XPRF=158,68) e quarta (XPRF=158,56MW).

A maioria dos eventos foi registrada pelos satélites da NASA de dia (276; 99,28%), enquanto apenas dois foram pela noite (0,72%). Além disso, o horário em que houve maior quantidade de registros detectados é entre 12h e 18h, com 258 casos observados (92,81%), seguido pelo horário das 6h01 às 11h59 (18; 6,47%) e das 18h01 às 23h59, representando apenas dois casos (0,72%). Não houve registro entre 00h e 6h da manhã.

Em termos de números de focos e anomalias térmicas por mês, observou-se que outubro (161; 57,91%) foi o mais crítico, seguido por setembro (79; 28,42%) e agosto com 38 casos (13,67%).

Quando se analisa a média da PRF por mês, outubro foi o mais crítico (XPRF= 196,03 MW), com 155 registros de focos considerados altos (100 < PRF ≤ 600) com XPRF igual a 164,85 MW, seguido por seis registros de grandes incêndios (PRF > 600 MW) que tiveram XPRF igual a 1001,42 MW. Já setembro foi o segundo mês (XPRF=168,2MW) com 79 registros de focos considerados altos (100<PFR<=600).

3) Em relação ao perfil dos locais, dos 278 registros de incêndio, a maioria (209; 75,18%) ocorreu em áreas verdes. Destes, 125 (44,96%) foram próximos a zonas já devastadas, enquanto 84 (30,22%) aconteceram perto de rios, lagos ou igarapés. Os locais mais afetados incluem: Rio Mutuca (17 registros), Lago Apipica (10), Paraná do Castanho Mirim (9), Igarapé Janauacá Grande (5), Igarapé Capivara Grande (3), Lago Palhetinha (2), Lago Purupuru (1), Lago Janauacá (1), Lago Juma (1) e a Foz do Paraná (1).

4) Em relação às comunidades ou regiões, alguns pontos notáveis merecem destaque. 

Primeiramente, chama a atenção a elevada concentração de incêndios em uma área específica denominada Purupuru, respondendo por mais da metade dos registros (160; 57,55%). Em seguida, ocorreram incidentes em outras comunidades, como São Francisco (21), Nossa Senhora do Carmo (5), Janauacá (7), Salgada (6), Miracema (3), Gavião (2) e Urbano Sebastião Borges (2).

Outro ponto intrigante relaciona-se às extensas áreas que foram destruídas ao longo do tempo, identificadas próximas aos locais verdes onde ocorreram os incêndios. Isso sugere uma persistência dos eventos na região, possivelmente devido à leniência ou inadequada penalização por parte dos órgãos estaduais ou municipais, incluindo as entidades de controle e o Ministério Público.

Um achado adicional significativo foi a identificação de vários incêndios ocorrendo nas proximidades de anexos ou escolas, afetando adversamente a vida educacional tanto dos professores quanto dos estudantes da região. Os casos mais críticos foram registrados perto do Anexo da EMCSC (45 registros), da EM Maria da Conceição (14), da EM Afonso de Souza (9), da EE Coronel Fiuza (4), da EM Paulo Gomes Cardoso (2) e da EE Alberto S. Migueis (1).

Para ver a magnitude dos danos, é recomendável examinar as Figuras 16, 17, 18 e 19, que destacam a geolocalização dos incêndios e o tamanho da área degradada ao longo do tempo. Além delas, pode-se acessar a planilha e as estatísticas básicas pelo DOI https://doi.org/10.7910/DVN/UOZQ5O.

5) A geolocalização dos grandes incêndios

A Figura 16 exibe dois registros, com PRFs de 1538 MW e 1208 MW, em Lat. -3.434 e Long. -59.585, a 1,41 Km da Escola MCSC. Este evento ocorreu em uma área verde cercada por uma zona degradada de 449 mil m2. Já a Figura 17 revela outra situação alarmante com mais dois registros, com PRFs de 858,3 MW e 845,6 MW, localizados a 2,39 Km da mesma escola, em Lat. -3.434 e Long. -59.566, perto de uma vasta área degradada de cerca de 14,43 Km² e um perímetro de 41,89 Km. As Figuras 18 e 19 mostram dois incêndios próximos a áreas já degradadas, todas capturadas em 29/10/23, no Careiro, região do Purupuru, aproximadamente 61 km distante de Manaus. É importante ressaltar que, em outubro, Manaus registrou vários picos de poluição atmosférica prejudiciais à saúde, acompanhados de uma intensa fumaça que resultou na hospitalização de centenas de habitantes locais.

A análise mostra uma contínua degradação ambiental na região do Careiro, com a maioria dos incêndios ocorrendo nos finais de semana, em áreas verdes e próximos a corpos d’água e comunidades ribeirinhas, inclusive perto de escolas. Diante desse cenário alarmante, é necessário intensificar a fiscalização e punir crimes ambientais com mais transparência, além de implementar programas de educação ambiental nas escolas e demais organizações, melhorar o monitoramento e prevenção de incêndios, fomentar atividades econômicas sustentáveis e acompanhar os efeitos da poluição atmosférica na saúde da população.

Jonas Gomes

Prof. Dr. Jonas Gomes da Silva - Professor Associado do Dep. de Engenharia de Produção com Pós Doutorado iniciado no ano de 2020 em Inovação pela Escola de Negócios da Universidade de Manchester. E-mail: [email protected].

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