Bosco Jackmonth*
Uma vez postos aqui os comentários iniciais de dois artigos, (01/02), mais a Apresentação notória, que se seguiu então anunciando a celebração do livro Mundo Mundo Vasto Mundo, do universo ficcional do autor Carlos Gomes, cabem como próximo passo os temas anunciados no Sumário da obra, da Coleção Sumaúma, remarcando-se que o escritor, aliás de recrutamento destraçado, nos moldes já adiantados, para tanto prende-se acentuadamente a dois aspectos distintos, a saber a preponderância da paisagem urbana e a utilização da recorrência folclórica, tudo como antes já se remarcou.
Tendo-se, a propósito, que na suposta hipótese da ausência formal de leitores do livro, eis, aqui, então em apoio o aludido Sumário além de passagens adicionais: Bumbá; Rebolo; Vó Hermengarda; Rosa de Carne; Preto e Branco; Presságios; Reconstrução; Assunto Perdido; Madalena; Antes da Nomenclatura; Figa, Pé de Pato, Bangalô três vezes; Flor de Cacto; Pio ofício ou a estranha velha que enforcava cachorros; A Homenagem.
Assim, iniciando-se o relato, Bumbá era a designação do boi, criado por Severino, um preto velho maranhense, dado como um corpo esbelto, com espáduas largas, ostentando boa estatura. Já o boi, armação de madeira, coberto de algodão e pano velho à moda de carne, ostentando como se fosse o couro um veludo que de tão negro azulava quando a luz lho refletia, enquanto portava uns chifres de verdade, tendo no meio da testa uma mancha que sugeria uma estrela branca, mas era um borrão quem sabe quando Severino ao procurar desenhá-la extravasara as linha da figura e assim se chamou Estrela, alegria do povo nas noites de junho.
O preto velho era também o amo do boi, ou seja o seu ensaiador, que sabia como raros improvisar toadas numa única e inconfundível voz para entoá-las, tudo sob um ritmo irresistível tomado pelos participantes ou brincantes assim designados, figurando então o Boi Estrela como orgulho do seu criador e também dos seguidores, pois não era como os outros bumbás da cidade. Sim, havia outros, mas …
Sucede, sustente-se, este tinha magia única, mugia como se fosse um ente de verdade, por conta de um mecanismo fonador construído de cuícas e manejado pelo miolo, que conduzia o corpo do boi colocado na cabeça. Era um molecote de pernas secas mas rijas, apelidado Socó, que sabia sacudir a prenda e dar-lhe ritmo como ninguém, por isso Socó se tornara porque dançando se punha às vezes numa perna só. Manejava também na cabeça duas grandes petecas de vidro escuro e esverdinhado nas órbitas de pano como se mexessem os olhos, pra lá e pra cá, numa marcante novidade. Um espanto, sim senhor!
Acresce, em junho, como sede do Bumbá, um curral, era assim que figurava. Ademais, nos meses restantes ficava este guardado na casa do amo, coberto e protegido por completo de pano de saco. O dono tinha por ele desvelos paternais. “Meu boizinho!”, assistia-se o carinho. Lá no curral tomavam-se como enfeites duplas longas folhas de palmeira tipo cílios, além de varais de bandeirinhas, separadas nas extremidades e que se entrecruzavam sobre o recinto. É de lembrar que naquela altura a cidade padecia da carência de luz elétrica e, assim, lâmpadas fantasiadas como lanternas e balão punham-se a procurar iluminar. Contudo, a iluminação mesmo, vinha das fogueiras ardendo e vinha de grandes porongas, luz baça de fogo e fumaça.
Ademais, postava-se no curral, uma estrela coberta de papel vermelho. Aí, então, num certo dia a eletricidade – visita bissexta – apareceu por aquelas bandas. A estrela vermelha – viu-se – tinha em seu ventre uma luz intensa jogando piscadela para o povo. Fascinava a todos que admiravam a estrela, enquanto o preto velho Severino, seguia imponente, com o manto tarjado de arminho todo cheio de espelhos e lantejoulas, puxando as toadas, que tão bem as improvisava: Rola rola rola boi bumbá! Rola que eu mandei rolar! E instruía, ralhava, ensinava novos passos e toadas novas, assim: Oi levanta poeira…
Alegria tanta, tanta, quando no seu curral o bumbá. Muita alegria! E o encantamento dos que se punham em volta, possuindo-os. A propósito do evento recorde-se, que se dava que a preta Bárbara, (Barba, no vulgar), faturava: valentes cuias de tacacá e mungunzá, bolo podre, e de macaxeira, tapiocas servidas em retalhos de folha de bananeira, poeira de coco por cima. Sim, até aluá e café havia em sua banca, que sem dúvida era a mais gostosa do arraial. Enquanto isso no curral a batucada entoava toadas, fazendo hora, ensaiando refrões, dançados em passos agitados, nervosos mesmo pelos brincantes. E cantavam: Oi levanta poeira…
As agitadas cunhantãns, indo e vindo, rebolando corpos cheios de amor para dar, batiam as sandálias gastas no barro do arraial, acabavam levantando poeira, tal como no refrão da toada. Algumas eram carregadas para muito além aonde não chegava a claridade das porongas e fogueiras. Eram levadas por moleques já homens, os braços rijos do trabalho agasalhando. Iam aprender anatomia, o método Braille, simples e humano, presidiria aos ensinamentos…
Mas sucedia que tudo então ficava triste porque o bumbá afastava-se para cumprir seus compromissos atendendo os convites na cidade, que se traduzia em apresentar-se, ou dançar, na casa dos doutores, que eram autoridades, gente de haver, de bens, mais que de bem.
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Advogado (OAB/Am. 436). Ex Ger.BEA. Ex func.B.Brasil Man./Rio, aqui nom.Fisc.Bcos, p/B.Centr.junto agências volt.p/ativ.cambiais. Curs.Direito, Com.Soc. (Jorn.) Taquigrafia. Lecionou Hist.Geral. [email protected]. Tel.999828544.