Breno Rodrigo de Messias Leite*
A Guerra da Ucrânia escancarou as profundas contradições do sistema internacional erigido no imediato pós-1945. Para além do conflito em si, luta pelo poder entre as grandes potências ganhou alguns capítulos trágicos: guerras por procuração se espalharam; ameaças híbridas tornaram-se rotinas; intimidação através da retórica do emprego de armas nucleares; especulação financeira abala o sistema de crenças na economia internacional; mudanças climáticas, epidemias, imigração transformaram-se em armas políticas; desinformação em massa e censura judicial indiscriminada como lawfare, ampliação da legislação pró-aborto; consumo de drogas cada vez mais nocivas à saúde humana, entre outros problemas. As mudanças geopolíticas não mais afetam as nações isoladamente. A interdependência abarca todos os setores da comunidade internacional.
O aumento do risco de um conflito geopolítico entre as grandes potências é real, potencial e sem precedentes na história do período sob a hegemonia norte-americana. A ascensão da China como uma potência líder de uma nova ordem extrapola as rivalidades anteriores à ordem liberal internacional. Se a União Soviética apresentou-se como uma ameaça militar-tecnológica e ideológica, mas não econômico-comercial; e se o Japão tornou-se uma ameaça econômico-comercial, mas não militar-tecnológica e ideológica; a China é indiscutivelmente um pacote completo de ameaças em todos os campos para os EUA.
A geopolítica é, no seu conjunto, um importante instrumento de análise das relações internacionais, sobretudo no contexto das mudanças na infraestrutura do poder global. É importante situarmos o leitor sobre três grandes perspectivas sobre a construção da geopolítica no limiar do século 21.
Primeiramente, segundo Jakub Grygiel, em Great powers and geopolitical change, “a geopolítica é o mundo que cada Estado enfrenta. É o que está de fora do Estado, o ambiente no qual e ao qual ele deve responder (…). A geopolítica ou a realidade geopolítica é definida pelas linhas de comunicação e a disposição de centros de recursos econômicos e naturais. Estas duas variáveis, por sua vez, determinadas pela interação entre as características geográficas e as ações humanas, criam um conjunto de constrangimentos objetivos e geográficos para a política externa dos Estados (…) é uma realidade objetiva, independente dos desejos e interesses dos Estados”.
Em outros termos, a geopolítica opera como uma externalidade, como um fator externo –porém, decisivo –para a estruturação do próprio Estado nacional.
Já Robert blackwill e Jeniffer Harris, na obra War by other means: geoeconomics and statecraft, definem a geopolítica nos seguintes termos: “um método de análise de política externa que busca entender, explicar e prever o comportamento político internacional em termos de variáveis geográficas. Outras definições mais gerais tendem a focar a relação entre política e território –isto é, a arte e a prática de fazer uso do poder político em um dado território (…). Colocado de outra forma, a geopolítica é um conjunto de pressuposições de como o Estado exerce poder sobre o território –o que constitui este poder e como ele pode ser maximizado ou utilizado”.
De fato, a geopolítica é um instrumento de orientação para o processo decisório em política externa. O peso da geografia –território, espaço, população, economia –fundamenta a racionalidade da decisão política em tempos de paz ou de guerra.
Por fim, mas não menos importante, Geoffrey Sloan e Colin Gray, no livro Geopolitics, geography and strategy, são categóricos ao afirmarem que “um dos principais objetivos da geopolítica é enfatizar que o predomínio político é uma questão de não somente ter poder no sentido dos recursos humanos ou materiais, mas também em função do contexto geográfico no qual esse poder é exercido. Isso não significa dizer que o ambiente geográfico determina os objetivos ou as estratégias de política externa e interna de um Estado em particular; pelo contrário, a geografia, ou as configurações geográficas apresentam oportunidades para formuladores de política e políticos (…). A maneira como essas oportunidades geográficas serão exploradas depende da estratégia”.
A geopolítica é exercida de acordo com os imperativos geográficos de cada país. A partir dessa realidade geográfica é que se desenvolve uma estratégia sólida de inserção internacional. É perfeitamente plausível pensarmos que geografia é destino (determinismo geográfico).
O fenômeno geopolítico é, em larga medida, de grande importância para os interesses nacionais brasileiros no espaço sul-americano, uma vez que a nação está inserida em um contexto global e nos esforços regionais que moldam suas relações internacionais e suas estratégias de desenvolvimento. Assim, a compreensão e o manejo adequado dos elementos geopolíticos são fundamentais para que o Brasil possa promover seus interesses nacionais, manter suas relações internacionais equilibradas e enfrentar os desafios globais e regionais de maneira eficaz. Lidar com estes desmundo geopolítico requer, entre outras coisas, uma abordagem estratégica e uma diplomacia atenta, além da capacidade de integrar as considerações geopolíticas nas políticas internas e externas do Brasil.
P.S.: As citações acima foram extraídas da obra de Cristina C. Pecequilo, “A Reconfiguração do Poder Global em Tempos de Crise”. Rio de Janeiro: Alta Books, 2023.
*é cientista político