23 de novembro de 2024

 Vó Hermengarda

Bosco Jackmonth*

Uma vez postos aqui os dois primeiros contos dos 14 sumarizados no livro Mundo Mundo Vasto Mundo, e o qual deu ensejo aos artigos em série “Do Recrutamento de Um Escritor”, publicados por esta estação de escritos semanais, ou seja Bumbá e Rebolo, cabe agora a vez deste que aqui dá título, seguindo adiante.   

Sucede, esta narrativa se prende à notável figura de uma exímia e poderosa rezadeira conhecida  como Vó Hermengarda, que rezava como única quebranto e ladainha; padre-nosso e espinhela caída; ave-maria e erisipela, que também era esipra na sua linguagem. Dizia-se que cristão com ela, justo ou pecador, não morria à míngua. Nem precisava pedinchar socorro. Bastava que ela soubesse que o pobre estava enfermo e pronto. 

Tal narrativa acudiu à lembrança do narrador quando estando este num consultório médico aguardando a vez para ser atendido, mediante vale-consulta, presenciou a grosseria com que foi tratado um pobre coitado que buscava atendimento gratuito, mas restou dispensado sem atendimento. 

Então foi quando lembrou-se de Vó Hermengarda. É que aquele homem, fosse a Vó a atendente moça ou o médico não sairia dali sem ajuda. Era certo que ela o acudiria com um chá, raiz ou casca de pau para curá-lo, isso se não fosse o caso de reza.

Conta o literato do dia em que “deu um jeito no pé”, dizendo-se ser um “sujeito azarado”, já que nunca havia jogado futebol e na vez em que se meteu foi só para escangalhar o pé, tendo voltado a casa caxingando, com o mesmo começando a crescer. 

Vó Hermengarda o viu e indagou: que tem meu filho Filipe menino? Examinou e deu o diagnóstico a olho nu, rapidamente: – carne trilhada! E logo ordenou: Vá buscar uma agulha virgem pra ajeitar o seu pé. Só serve virgem!

Trouxe-a virgem, como ela recomendou, pelo menos a supunha como tal, mas quem garante entãoue a agulha já não conhecesse alfinete? … A curandeira tomou de um pano e foi como que cosendo como se do pé se tratasse. Enquanto “costurava”, ia sussurrando umas palavras incompreensíveis tão baixo elas as proferia. A espaços conferidos, por três vezes inquiriu: Que costuro? Então, fiel às instruções previamente transmitidas: – Carne trilhada, nervo torcido…

Deu-se a cura por fidelidade às instruções, pelas massagens da velha, pela sua reza, ou ainda pelas três coisas juntas, mas a verdade é que houve o conserto do pé, ao cabo de alguns rituais daqueles, quem sabe quantos, o que, aliás,  também se deu com todos os adultos e crianças em que houve atendimento simultâneo para tratar de variadas mazelas. Era assim …

Sabe-se que mau olhado a velha rezava fazendo aspersões no inocente, com galinhos molhados de arruda ou vassourinha. Assim também esipra, a parte afetada recebia salpicos de água do seu hissope vegetal, um utensílio para aspergir água benta.

Curioso, certa vez propôs à curandeira que se lhe ensinasse a rezar. Pra que? Não posso menino! Explicou que havia recebido as orações em sonho mas com a recomendação de não transmiti-las a outrem, sob a pena de perderem a força. Contudo, sua simplória medicina era pra quem quisesse aprender…

Então, resolveu, decorar alguns tratamentos. Mas nada de remédios de nomes complicados, híbridos de grego e português, latim ou grego, um de tais idiomas e engenho comercial. Dimetilaminofenildimetilpirazolona, jamais! Sim, nomes singelos, remédios baratos, acessíveis a todos, miseráveis e pobres, remediados e ricos. Chá de quebra pedra, dizia-se, não tem igual para os rins. Erva-cidreira ou folha de laranjeira, em infusão, ótimas bebidas como calmante. Isônia? Ora, tome chá de oriza, vó Hermengarda, receitava. Chá de broto-de-pitangueira recomendava, não há remédio mais santo para ligeira, ou seja, desinteria, como depois se divulgou. Dor de cabeça? Você pega folhinhas de mucuracá, unta de sebo de Holanda e cola nas têmporas, mudo meu nome se não ficar bom, a velha entoando a voz, com convicção.

Entre seus feitos, e eram muitos, Vó Hermeangarda caba-se de alguns, como de ter curado um tísico só com gemadas de folhas de algodoeiro ou de mastruz. Alternava para quebrar a monotonia da narração do tratamento – Abaixo de Deus, seu Jeremias ficou bom com meus remédios! 

Nesta altura, no consultório, deu-se a chamada para atendimento pelo médico. Se o enfarte não tivesse levado Vó Hermengarda seria atendido por ela, mas enfim. Entrou na sala, o coração batendo, qual o problema da saúde, afinal? Expôs ao doutor as suspeitas, contado o caso da chuva que pegou suado. O médico então disse para tossir; em seguida fez várias perguntas sobre dor quando da respiração; se tinha febre. Pressionou com o dedo, buscando órgãos doentes. Auscultou-o e o mais, por fim. 

Finalmente, conclui: parece que nada de grave há. Mas convém bater uma chapa, disse. Em seguida, adaptou o paciente a um aparelho, dando-lhe instruções – Indagou: Doutor, a radiografia, quando posso…  Ah! Depois de amanhã. Procure com a minha Secretária. Oito mil, custa. 

Advogado (OAB/AM 436) Ex.Ger.BEA.Ex.func.B.Brasil em Man. e Rio, aqui desig.p/B.Centr.c/Fisc.Bcos.junto ags.banc.volt.p/oper.cambiais. Curs.Direito, Contab. Com.Soc.(Jornal.) Lec.Hist.Geral. @jackmonthadvogados.com.br – Tel.992948544

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Bosco Jackmonth

* É advogado de empresas (OAB/AM 436). Contato: [email protected]

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