23 de novembro de 2024

Euclides da Cunha, a Amazônia e a reconstrução do Brasil

Breno Rodrigo de Messias Leite*

No último dia 06 de fevereiro, o Laboratório de Ciências Sociais e Interdisciplinaridade da Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, coordenado pela professora Marilene Corrêa da Silva Freitas, promoveu a palestra A Amazônia e a Nova Centralidade da Reconstrução do Brasil ministrada pelo professor Francisco Foot Hardman (Unicamp).

O evento foi um sucesso e contou com a participação presencial e remota de estudantes e pesquisadores de muitas localidades da Amazônia, com destaque para os participantes de São Félix do Xingu, no sudeste do Pará, e de São Gabriel da Cachoeira, no norte do Amazonas – aliás, duas das mais importantes fronteiras interétnicas de populações indígenas na Região Norte do País.

O foco da palestra do professor Foot Hardman foi pensar a Amazônia e as suas complexidades à luz de sua formação histórica, cultural e social, tentando problematizá-la a partir da construção literária de Euclides da Cunha (1866-1909). 

O autor de Os Sertões, obra-prima da literatura brasileira, publicada em 1902, desenvolve uma análise profunda do interior baiano, das relações humanas do sertanejo e da Guerra de Canudos (1896-1897), uma das primeiras revoltas populares e religiosas do período contra o regime republicano recém instalado. 

A obra de Euclides não apenas narra os eventos da guerra, mas também mergulha nas raízes históricas, geográficas, sociológicas e psicológicas do homem no sertão, oferecendo uma interpretação crítica da sociedade brasileira da época. Assim, Os Sertões é uma peça literária e sociológica amplamente reconhecida, pois levanta questões profundas sobre identidade nacional, desigualdade social e violência política.

Já reconhecido como um grande nome das letras nacionais, em 1904, a pedido do então chanceler barão do Rio Branco (1902-1912), Euclides da Cunha é enviado ao Alto Purus e Alto Juruá, na fronteira do Brasil com o Peru. Na condição de representante brasileiro nas negociações diplomáticas entre Brasil e Peru acerca do Território do Acre, Euclides teve o primeiro contato com os paradoxos dos brasileiros que vivem na região amazônica. A sua experiência diplomática (chefe da delegação brasileira) é, assim, contrastada com a do intérprete, com a do crítico das contradições sociais do Brasil em duas geografias diametralmente opostas.

Como assinala Leandro Tocantins, em Euclides da Cunha e o Paraíso Perdido, “dominicano em suas apreciações e conclusões, épico, e, acima de tudo, predominantemente teórico, ele, em suas páginas esparsas sobre a Amazônia, passa a conhecer melhor o Brasil. Torna-se mais concreto, mais lírico, franciscano mesmo. Aproxima-se da terra. Em suma, sua atitude é mais experimental.”

O burocrata do Serviço Exterior Brasileiro em nada oblitera o crítico social. Euclides envia cartas, ofícios e um relatório secreto ao barão do Rio Branco, na qual se registra notável evolução de seu pensamento sobre universo amazônico. O velho Euclides d’Os Sertões torna-se, portanto, um admirador da região, do seu modo de vida e das suas complexidades. Como numa epifania, conecta-se inteiramente com a terra, com seus homens e com suas guerras infinitas. A visão de Brasil de Euclides expande-se e conecta-se com os problemas nacionais do Brasil da primeira década do século XX. 

A evolução do pensamento de Euclides foi notável durante a sua experiência na Amazônia. O seu projeto político toma forma e abarca uma visão pan-americanista. Da guerra do fim do mundo, na trágica definição de Mário Vargas Llosa para o conflito militar de Canudos, ao pan-americanismo, Euclides propõe uma inserção continental, sobretudo no espaço sul-americano.

A integração regional plena dependeria de uma integração nacional igualmente plena. Ao confrontar literária e sociologicamente o Sertão e a Amazônia, Euclides projeta uma utopia moderna da identidade nacional.

Como homem de ação, Euclides sugere a integração da Amazônia ao Brasil dentro de uma perspectiva sociopolítica moderna, isto é, o homem se sobrepondo ao seu meio, e não o contrário.

Assim, o projeto nacional euclidiano, conforme apontado por Foot Hardman em sua palestra, encontra-se inacabado, se é que algum dia foi principiado. E nada no futuro nos alenta para que este projeto seja concretizado. Nas palavras do professor Foot Hardman, “a Amazônia ficaria como fantasma na história do Brasil civilizado, assim como fantasma na memória de Euclides.”

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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