Daniel Borges Nava
Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM, é Legionário da Boa Vontade da LBV.
O caso do ordenamento dos flutuantes do rio Tarumã-Açú poderia ser interpretado à luz da Parábola da Semeadura ensinada por Jesus em seu Evangelho segundo Mateus 13:24-30.
Está na hora da colheita onde se deve separar o joio (flutuantes ilegais) do trigo – flutuantes que atuam historicamente, alguns com mais de 30 anos de existência, e que buscaram o licenciamento de suas atividades na Marinha do Brasil, no Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) e/ou na Prefeitura de Manaus.
A proliferação ilegal de flutuantes, notadamente a partir do período da pandemia, onde o número de aproximadamente 200 flutuantes autorizados pela Marinha do Brasil se multiplicou de forma desenfreada, segundo cadastro da Prefeitura de Manaus, estão hoje no Tarumã-Açú algo em torno de 980 flutuantes, acendeu o sinal de alerta dos poderes legislativo, executivo e judiciário amazonense.
Manaus, nos idos de 1967, passou por problema semelhante na frente da cidade, próximo a foz do igarapé do Quarenta/Educandos no rio Negro, onde relatos históricos informavam existir um conjunto de mais de 2500 flutuantes, convivendo em condições precárias de saneamento. O governo militar retirou o “bairro flutuante” sem necessidade de ações ajuizadas.
No Tarumã-Açú, o ordenamento dos flutuantes foi questão levantada pelo Ministério Público em 2001, portanto, as discussões na Justiça se arrastam há mais de duas décadas.
Como na parábola de Jesus citada, o Estado, hoje, tem condições de separar o joio do trigo, afinal, um processo judicial com 23 anos de análises e argumentações de todas as partes interessadas, há de conter subsídios ao ordenamento da atividade de grande importância econômica ao turismo de Manaus.
Há de se lamentar que, apesar do processo estar transitado e julgado, nele, nunca foi ouvido o Comitê de Bacia Hidrográfica do Tarumã-Açú (CBHTA) que atua no Amazonas desde 2006, como instrumento do Sistema Estadual e Federal de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (O CBHTA é o único Comitê de Bacia Hidrográfica em atividade na Região Norte do Brasil).
No último dia 15 de março, estivemos, representantes da Gerência de Recursos Hídricos, Gerência de Geoprocessamento e Gerência de Licenciamento Industrial do IPAAM, em vistoria no Flutuante Sombra da Lua localizado na Bacia Hidrográfica do Tarumã-Mirim – um flutuante que considero exemplo em ESG (governança socioambiental), e que deveria ser visitado pelos proprietários de flutuantes do Tarumã-Açú, considerando ações de benchmarking.
Fomos recebidos pelo proprietário do flutuante, o Senhor João Alves de Lima (56 anos) e sua filha Kelline, a advogada da família, que prontamente nos mostrou a embarcação cuja planta foi assinada por engenheiro naval, uma estrutura de madeira muito bem conservada, com uma área de 450 m2, bem sinalizada em relação aos equipamentos de segurança exigidos pelo Plano de Emergência Individual, além da estação de tratamento de esgoto necessária, considerando os efluentes do restaurante e banheiros.
Durante a vistoria, o Senhor João externou sua apreensão com a Decisão Judicial de retirada de todos os flutuantes, inclusive aqueles que possuíam licenças, e que vivem, como ele, ganhando o pão nosso de cada dia há mais de três décadas.
Algumas palavras dele me tocaram: “investi aqui todo meu sustento de vida. Tenho 3 filhos, 24 funcionários e trabalhamos com todas as exigências dos órgãos de fiscalização. Recebo aqui em cada final de semana mais de 400 pessoas, atendendo das 10h às 17h (não atendemos de noite pela segurança de nossos clientes). Não temos som para que o visitante possa se alimentar em tranquilidade. Não está certo! Com todos esses cuidados que temos, recebemos da Prefeitura a notificação de retirada… e nem estamos no Tarumã-Açú. Não posso concordar com o que decidiu o seu Juiz Moacir. Essa decisão está tirando a vida das pessoas que aqui moram e trabalham. Tirar a vida não é só matar… ao tirar a dignidade da pessoa é o mesmo que me tirar a vida! ”
Como o ponto do flutuante Sombra da Lua está localizado na bacia hidrográfica do Tarumã-Mirim, numa área que está sendo monitorada pelo Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, fui analisar os indicadores de qualidade de água no local que podem ser acessados no site https://www.gp-qat.com/ . Os indicadores são excelentes neste ponto do rio, ideal para alguém que busca recreação com segurança e uma visão extraordinária da exuberante Amazônia.
Na bacia hidrográfica do Tarumã-Açú há flutuantes licenciados pelo IPAAM em condições semelhantes ao Flutuante Sombra da Lua. Posso citar o Flutuante Peixe-Boi da proprietária Ana que foi a primeira presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Tarumã-Açú.
Em mais de 30 anos de atuação no local, o restaurante dela é conhecido nacional e internacionalmente como ponto de visitação turística. Nas paredes do flutuante pode-se visualizar ao lado da Licença de Operação emitida pelo IPAAM, centenas de fotos de personalidades que visitaram o local, pessoas como Galvão Bueno, Zico, Ivan Lins …
Nos resta claro que o Judiciário deveria ouvir o Comitê de Bacia Hidrográfica do Tarumã-Açú antes do início da retirada dos flutuantes pela Prefeitura de Manaus, já anunciada em outdoors pela cidade.
Como instrumento da Política Estadual de Recursos Hídricos, o CBHTA poderá contribuir de forma finalística a que a Decisão ora julgada e tramitada, possa ter um caráter humanista como nos ensinou Jesus na Parábola do Semeador.
Todos somos favoráveis que o joio (flutuantes ilegais) sejam retirados imediatamente da bacia do Tarumã-Açú. Mas urge que na retirada do joio, não devamos matar o trigo (flutuantes licenciados pelo IPAAM e autorizados pela Marinha do Brasil) como advertiu o Cristo de Deus.