23 de novembro de 2024

O Capitão e o Embaixador

Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM. IG:@anderson.f.fonseca

Nos últimos dias, até aqueles que não são muito afetos aos casos transfronteiras ou ditos internacionais teve que tirar um momento do seu dia para se atualizar sobre os casos apresentados pela grande mídia e ao se deparar com alguns dos comentários feitos por especialistas e outros nem tão especialistas assim resolvi também dar minha modesta opinião, nem melhor, nem pior, mas penso eu com os devidos fundamentos acerca das situações apresentadas.

Muito bem, a fim de não cometer nenhuma espécie de engano e atingir as mais variadas suscetibilidades, comecemos com o caso do capitão e sua estada na representação diplomática de um país do  leste europeu, falamos é claro do caso ocorrido na embaixada da Hungria durante as festividades Momescas quando então o Presidente Bolsonaro hospedou-se por duas noites, conjecturas à parte, a narrativa da cobertura jornalística girou em cima do fato de que tal ato foi realizado para evitar a prisão e que tal não seria possível de ser executada uma vez que “embaixadas são territórios estrangeiros” dentro do país, tendo portanto o capitão evadido-se do alcance da jurisdição nacional.

Comecemos para desmistificar algo que repetidas vezes dito leva ao engano, embaixadas, consulados, missões diplomáticas em geral, não são uma extensão do país de origem dessas representações, não são portanto “territórios estrangeiros” presentes no solo nacional, por qual razão ter-se-ia então a impossibilidade de efetuar qualquer medida de prisão dentro de seus limites? A resposta está precisamente na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas que em seu artigo 22 estabelece o princípio internacional da inviolabilidade da missão diplomática, regra esta estabelecida em grande parte por conta de outro princípio, o da reciprocidade, o famoso adágio conhecido como “não faça aos outros o que não quer que façam com você”.

Objetivamente falando não há qualquer ilicitude por parte daqueles que se veem envoltos em processos criminais e na iminência de serem presos procurarem manter seu status de liberdade por qualquer meio que lhes for possível e neste caso o asilo em representações diplomáticas se vê como opção viável a este fim, inclusive, diga-se por oportuno, em nossa Constituição há previsão expressa de concessão de asilo para todos aqueles que procurarem obter salvaguarda de persecuções.

A título de dado histórico, em 2005 o Congresso do Equador destituiu o presidente Lucio Gutiérrez, que pediu asilo ao Brasil. O vice-presidente, Alfredo Palacio, adversário de Gutiérrez, assumiu o Poder Executivo.

O ex-chefe de Estado se refugiou na residência da embaixada brasileira em Quito enquanto esperava garantias para se locomover até o aeroporto e embarcar para Brasília, dias depois chegou ao Brasil a bordo de um avião da Força Aérea Brasileira.

Claro está que as nações do mundo, em regra, obedecem estes princípios, afinal garantir a liberdade é um dos papéis fundamentais dentro de um Estado sobretudo um que seja dito Democrático de Direto, não sendo crime algum agir-se em prol dessa circunstância.

Feitas essas considerações importa ainda apontar uma peça faltante nesse quebra-cabeças, o que dizer então da figura do chefe de missão, o Embaixador, teria ele possibilidade de impedir a entrada de autoridades policiais caso estas “batessem em sua porta”? Vamos novamente ao costume internacional e a mencionada Convenção de Viena, o costume internacional consagrou a prática do franchise d’hôtel , segundo a qual autoridades policiais não podem entrar em Missões Diplomáticas para buscar indivíduo procurado pela Justiça, salvo com o consentimento do Chefe da Missão, no caso, o Embaixador.

Em outros termos, todo essa narrativa descrita acerca de possível evasão à jurisdição nacional, tentativa de fuga, medidas protetivas e outros seria (ou poderia ser) resolvido com a consentimento do Embaixador acerca da circunstância de seu hóspede, evitando-se constrangimentos e toda a série de desdobramentos vistos na mídia em geral.

A título de outro dado histórico e aqui só nos cabe conjecturar acerca da representação diplomática escolhida, contudo, segundo noticiado pela imprensa europeia, o Governo Húngaro teria, em 05 de abril de 1964, apresentado reclamação formal pela invasão de se escritório comercial no Rio de Janeiro por policiais que se apoderaram de equipamentos de comunicação e de outros materiais, vai saber se não foi isso que o capitão e o embaixador discutiram nessas duas noites de hospedagem, não é mesmo? 

Anderson Fonseca

Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM

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