26 de novembro de 2024

Prototipagem e fidelidade

Daniel Nascimento-e-Silva, PhD

Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

A fidelidade a cada dia se torna um fator desafiador aos cientistas nos seus esforços de prototipagem. Para quem não tem familiaridade com a inovação tecnológica e nem com a criação de produtos, o termo fidelidade pode chamar a atenção e até mesmo ser considerado inadequado à primeira vista; contudo, para quem é experiente com esse mister, o desafio é mais do que natural e altamente relevante. O termo fidelidade é derivado de fiel, de maneira que o desafio se transforma em algo mais ou menos parecido com “tornar o protótipo (e futuro produto) fiel” a alguma coisa. Que coisa é essa? Se olharmos a origem etimológica da palavra fidelidade, veremos que ela ser refere à conservação, manutenção e preservação das características originais de alguma coisa. É isso o que “fidelitas”, termo culto, e “fidelitate”, termo vulgar, querem dizer. Que coisa é essa, mais uma vez? Aqui é que entra a ideia de demanda. Essa coisa é a demanda que deu origem ao esforço dos cientistas para criar a tecnologia ou produto. Em termos mais precisos, essa demanda pode ser atendida em forma de suprimento de necessidade, solução de problema ou atendimento de um desejo. Como cada uma dessas formas tem suas características essenciais, quanto mais o protótipo incorporar cada uma delas, mais fiel passará ser. Vejamos isso mais de perto.

Os protótipos são um recurso extremamente importantes para que os cientistas ou quem quer que tenha a intenção de construir algum objeto físico e apresentá-lo a alguém. Isso quer dizer que é mais inteligente e consequente criar uma representação da tecnologia ou produto que se quer criar do que materializar o próprio artefato. Dentre as inúmeras vantagens estão a rapidez e os custos. É mais rápido e mais barato fazer um protótipo de uma hidrelétrica do que construir a própria hidrelétrica, mesmo em miniatura. É mais barato fazer uma maquete eletrônica de um novo tipo de automóvel do que o próprio veículo. Mais do que isso, com o protótipo em mãos é possível interagir com outros cientistas e demandantes acerca de qualquer parte ou componente da tecnologia, apresentando-se e avaliando-se alternativas, para que se possa fazer as devidas alterações, de maneira que o protótipo possa estar de acordo com o que os demandantes precisam e em conformidade com o que os cientistas são capazes e estão dispostos a fazer. Dito de outra forma, com o protótipo é muito mais provável que haja convergência entre o que se espera da tecnologia e o que os cientistas estão aptos e prontos para entregar. Sintetizando: o protótipo pode incorporar o máximo e o mínimo de correspondência entre o que é demandado e o que será entregue. Quanto mais próximos estiverem a demanda da oferta, maior tende a ser o grau de fidelidade do protótipo.

A ciência e a prática da inovação tecnológica, assim como a engenharia de produtos, apresentam pelo menos quatro aspectos que precisam ser levados em consideração para que um protótipo apresente o nível de fidelidade exigida. Um deles é o detalhamento. Uma planta arquitetônica pode ser tomada como exemplo de pouco detalhamento, mas onde aparece uma ideia completa do que se pretende construir. Se a planta arquitetônica for acompanhada de uma planta hidráulica, uma planta sanitária, uma planta elétrica, uma planta de ventilação, uma planta de luminosidade e uma planta de móveis planejados, o protótipo terá tanto detalhamento que pode ser considerado de alta fidelidade. Daí segue-se a regra de que quanto menos detalhado, menor a fidelidade, e vice-versa. Protótipos conceituais, estruturais, funcionais, relacionais, processuais e ambientais, quando tomados isoladamente, são de baixa fidelidade.

Outro aspecto é a funcionalidade, que caracteriza os protótipos funcionais. Há a funcionalidade global e as diversas funcionalidades individuais, desde o papel de uma peça isoladamente quanto em camadas e agregados de camadas. Quanto mais funcionalidades forem apresentadas, mais fidelidade haverá. Esse mesmo raciocínio também serve para todos os tipos de protótipos descritos pelo método científico-tecnológico: quanto mais elementos forem apresentados, mais fiel será.

A similaridade ideia-produto é outro aspecto que sintetiza todos os demais. Isso quer dizer que quanto mais o protótipo apresentar detalhamentos conceituais, processuais, estruturais, funcionais, relacionais e ambientais, maior tenderá a ser o grau de fidelidade que ele apresentará. De forma geral, a prototipagem segue um grau crescente de similaridade, em que os protótipos conceituais são os primeiros a serem apresentados para que a ideia seja apreciada e aprovada. Depois de aprovado, o protótipo conceitual é ampliado e aprofundado através da elaboração dos outros tipos de protótipos.

Há um agrupamento de aspectos do ponto de vista estético que também precisa ser considerado para que a fidelidade do protótipo com a tecnologia final (e o atendimento das características da demanda) seja assegurada. Essa dimensão estética, dentre vários benefícios, reveste o protótipo com maior realidade, fazendo com que ele se pareça o máximo possível com o produto a ser entregue. Quando o protótipo consegue incorporar essa dimensão realista, chega a dar a impressão de que se está diante de uma tecnologia real e não apenas um protótipo. Assim, quanto mais o protótipo puder se passar pelo produto desejado, maior tende a ser o seu grau de fidelidade.

Fidelidade e prototipagem também têm tudo a ver do ponto de vista de negócios. Entenda-se negócios não com o sentido vulgar (e pobre) de comércio, mas como o compromisso efetivo de entregar aquilo que foi pactuado entre pelo menos dois agentes. Fazer negócios, portanto, é manter uma relação fiel entre dois parceiros, de maneira que negociar é fazer parcerias e honrar os compromissos assumidos. Como a cada dia aumenta a participação de startups e ventures corporatives no cenário dos negócios nacionais e internacionais, a necessidade de fidelidade se amplia e aprofunda, adentrando dimensões da própria tecnologia, a começar pela suas primeiras versões, os protótipos.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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