Augusto Cesar Barreto Rocha (*)
A seca de 2023 gerou mais de R$ 1,4 bilhões de custos extras para a indústria. Felizmente, há um conjunto amplo de ações. Os terminais portuários privados estão se preparando com operações alternativas, o DNIT considera fazer uma dragagem preventiva, os armadores estão com melhores planos de contingência, a indústria está com mais estoques e amplamente informada, os transportadores do modal rodoviário e as empresas de balsas do rô-rô caboclo estão mais bem estruturadas, o comércio busca construir estoques mais adequados. Há uma profusão de ações individuais.
No entanto, faltam ações sistêmicas. É bem evidente que o Laboratório do Clima da UEA poderia fazer melhores monitoramentos com investimentos perfeitamente realizáveis e dentro da possibilidade orçamentária da UEA (com o Fundo da indústria destinado para isto) ou mesmo com recursos da Lei de Informática (P&D, via CAPDA ou outro programa). O CPRM poderia ter mais 200 réguas de medição para aumentar a precisão das medidas e melhorar as suas previsões, com recurso relativamente pequeno, quando se pensa na prevenção versus custos da ausência de dados. O DNIT provavelmente teria soluções alternativas menos impactantes do ponto de vista de custos e de impactos negativos ao meio ambiente, se deliberasse com a UFAM como são os rios da Amazônia.
É inacreditável a ausência de capacidade de diálogo dos órgãos Executivos estaduais e federais com seu próprio corpo de cientistas. Falta interação entre eles. As pessoas visivelmente não possuem o alcance da complexidade do tema, mas tomam decisões solitariamente, sem o apoio de outras instituições. A ciência, por meio das universidades e dos institutos de pesquisa, pode e deve ser acessada justamente nesta natureza de assunto complexo, com maior incerteza associada. Esta capacidade de diálogo, tão frequente no mundo desenvolvido, precisa ser retomada no nosso país. Há um desperdício enorme por não agirmos de maneira sistêmica.
Pierre Bordieu, sociólogo francês, falecido em 2002, discutiu de maneira ampla a diversidade de “campos” nas relações de poder dentro das sociedades. Estamos em uma etapa civilizatória onde o campo executivo não consegue reconhecer outros campos da sociedade. Como se os empresários ou os cientistas não pudessem interferir no que pensam ou fazem os poderosos do Poder Executivo. E vice-versa, para cada um dos demais campos. Todos querem ser decisores e assim, para assuntos mais complexos, todas as decisões tomadas estão aquém dos potenciais, afinal ninguém tem domínio sobre todos os campos.
Quando falamos que “educação deve ser prioridade” com muita frequência, representa o quanto estamos distantes de perceber a educação como prioridade. O que temos hoje é uma profusão de pensamentos rasos sobre toda a natureza de assuntos, onde se quer abafar o campo do outro. Enquanto não tivermos uma interação forte entre os agentes do Governo do Amazonas e do Governo Federal, apoiado por indicativos da sociedade em geral, do empresariado e dos cientistas, seguiremos como uma sociedade que desperdiça recurso e ao final põe a culpa no outro. Algo muito primitivo, caro e pouco eficaz.
(*) Professor da UFAM.