27 de novembro de 2024

A crise do clima e o dia do meio ambiente: luto pelas mortes e luta pela vida. 

Mais um dia mundial do meio ambiente. Já experimentei alegria em usar da palavra e divulgar a causa na ocasião. Mas hoje o sentimento que prevalece é de luto, de tristeza, de impotência e de alguma frustração. A consciência é tranquila, mas isso não garante o futuro de ninguém. Fazer o máximo possível não é alcançar o resultado necessário. Meus sentimentos e minha solidariedade pelas vítimas da catástrofe do Rio Grande do Sul que não pudemos evitar mesmo cientes dos prognósticos científicos de décadas. 

Afianço meu empenho nas funções do meu cargo e no exercício da cidadania para que atravessemos uma estiagem segura no Amazonas nos próximos meses. Mas será isso suficiente? Claro que não. Nunca foi tão necessário o envolvimento geral e a luta de todos pela sobrevivência e pela adaptação.

Enquanto escrevo, o trator climático não para: calor extremo na India, inundações na Alemanha…e alguns rios já iniciam vazante na Amazônia… 

Encaremos os fatos. Não há avanços significativos nas agendas de desenvolvimento sustentável, de defesa da Amazônia e de prevenção de desastres à altura da emergência climática instalada. 

Não é só leniência, é também a contradição. O Brasil que amplia a exploração de petróleo na Amazônia. A transição verde que se arrasta. Expandem os negócios de empresas que não compensam integralmente suas emissões nem se comprometem a fazê-lo antes de 2050 no melhor cenário. Aumentam o passivo ambiental e climático, adiando esperanças e condenando vidas. 

Destacam-se a resistência, a contradição entre discurso e prática, a má vontade, a corrupção, a subjugação social às elites políticas e econômicas mesquinhas, que relegam às calendas gregas as metas dos 17 ODS 2030, dentre os quais, o combate efetivo ao aquecimento global (ODS 13). 

A continuar o fracasso da diplomacia, a inércia do corpo político, a resistência do poder econômico, restará a litigância climática. 

Litigância climática é termo empregado, originariamente, para designar ações judiciais contra grandes empresas poluidoras, que, mais recentemente, designa as ações coletivas contra os variados agentes públicos e privados responsáveis por danos climáticos. 

Na síntese lapidar do Ministro e professor Luís Roberto Barroso, importa na “adequada distribuição das responsabilidades, custos e consequências advindas das alterações causadas pelos fenômenos climáticos.” Com essa perspectiva, envolve não apenas os poluidores, mas toda e qualquer pessoa que, devendo controlar, evitar, mitigar e compensar as emissões de gases de efeito estufa, omite-se, exasperando a crise climática do aquecimento global, pela piora que do efeito cumulativo e sinérgico de todas as emissões acrescidas resulta. 

Abrangem os responsáveis diretos e indiretos, governos, agentes estatais, empresas e mercados, cuja conduta, dolosa ou culposa, contribua para piora da crise climática. Como ensina o eminente Ministro do STJ e professor Herman Benjamin, para o fim de responsabilização por danos ambientais, aos poluidores diretos “equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem”.

Recorro à obra de autoria dos professores Ingo Wolfgang Sarlet, Gabriel Wedy e Tiago Fernsterseifer (Curso de Direito Climático, Revista dos Tribunais – 2023), para elencar, brevemente, casos emblemáticos de litígios climáticos nos planos nacional e internacional. 

Destaca-se, nos Estados Unidos, a recente decisão ao caso Held contra Estado de Montana, ajuizado por 16 jovens, perante o Tribunal Distrital. Em decisão inédita, a Corte, capitaneada pela Juíza Kathy Seeley, determinou ao Estado que considere a ameaça das mudanças climáticas ao decidir sobre o licenciamento de projetos da indústria de combustíveis fósseis.    

Salientam que o mais emblemático caso de litígio climático ocorrido nos EUA é o Massachussets vs. EPA, no qual a Suprema Corte Americana reconheceu a omissão da agência ambiental (EPA) quanto ao dever de controlar a emissão de gases de efeito estufa (em negativa ao Clean Air Act).   

Recordam a decisão da Suprema Corte da Holanda no caso Urgenda Foundation v. State of the Netherlands, no qual, pela primeira vez, o Judiciário condenou o Estado a adotar medidas efetivas para evitar as mudanças climáticas. 

Na Alemanha, afirmam sobressair o caso Lliuya vs. RWE AG, ainda em trâmite. Com efeito, é singular a ação climática ajuizada por fazendeiro peruano contra a maior produtora de energia elétrica alemã, na qualidade de responsável por grandes emissões que contribuíram para o derretimento do gelo sobre as montanhas na região de Huaraz (nos Andes, no Peru), pondo em perigo de inundação 120 mil habitantes. 

Em semelhante direção, é emblemática a condenação do Estado da França, em 2021, pelo Tribunal Administrativo de Paris, em ação movida por quatro organizações sociais. No episódio, o Tribunal reconheceu a responsabilidade do estado francês por danos ecológicos e climáticos em decorrência do descumprimento de metas estatais de redução de consumo de energia, de emissões de gases de efeito estufa bem como de ampliação da produção de energia renovável.  

No Brasil, constitui marco o julgado da ADPF 708 – STF (sobre a paralisação do fundo clima), primeira decisão que reconheceu, simultaneamente, o Acordo de Paris, como tratado de direitos humanos, e o direito ao clima sadio e seguro, como dever do Estado Brasileiro, inerente ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

No julgamento da ADPF 760, sobre a omissão de combate ao desmatamento na Amazônia, o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional para determinar à União, os órgãos e as entidades federais competentes a apresentação de plano específico com medidas eficazes de reversão do quadro ameaçador. 

O protagonismo judicial também está aberto ao cidadão. As ações de litigância climática lhes são acessíveis pela via da ação popular ambiental. Exemplo disso é a ação movida em 2021 por seis jovens cidadãos contra a pedalada climática do governo federal na atualização da meta do Acordo de Paris. 

Por mais cidadãos mobilizados e dispostos a se tornarem autores de ações populares, cá insisto, perseverante, brigando com minha tristeza, para irmos à luta pela vida. 

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.

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