24 de novembro de 2024

Inpa recebe mais filhotes de peixes-boi, indicativo de mortes das mães

No dia 6 de junho o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) recebeu um filhote de peixe-boi vindo de Parintins. Cinco dias depois, dia 11, a Secretaria do Meio Ambiente apreendeu, em uma feira livre da cidade, 12kg de carne de peixe-boi. No dia 18, mais um filhote foi trazido ao Inpa, desta vez, vindo de Silves, totalizando, até agora, somente este ano, oito filhotes encaminhados ao Instituto. Ano passado foram 16. O número de filhotes recebidos pelo Inpa alcança 52, desde 2020, o que acende uma luz vermelha para os pesquisadores da instituição: as mães desses filhotes podem ter sido mortas por caçadores. A cultura do comércio e consumo da carne de peixe-boi ainda é uma realidade no interior do Amazonas. Nessa entrevista ao Jornal do Commercio, o veterinário Anselmo d’Affonseca e a pesquisadora do Inpa, Vera Maria Ferreira da Silva, chefe do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Instituto, detalharam a situação dos peixes-boi no Amazonas.   

Jornal do Commercio: Os peixes-boi continuam correndo risco de extinção?

Anselmo d’Affonseca: Sim, a espécie está na Lista Oficial de Espécies Ameaçadas do Brasil, do ICMBio e na Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais).


JC: Ainda é costume, nos interiores amazônicos, se fazer mixira, ou isso é coisa do passado?

Vera Maria: Infelizmente o consumo e o comércio de carne de peixe-boi ainda são uma realidade no nosso Estado, sendo mais intenso no interior, mas eventualmente recebemos denúncias de venda em feiras aqui na capital.

JC: Vez por outra, filhotes perdidos de peixes-boi, são trazidos para o Inpa. Esse número tem aumentado? Vocês sabem o porquê da não presença da mãe?

AA: O número de filhotes resgatados tem aumentado ao longo dos anos. Infelizmente não conseguimos checar a veracidade das informações que acompanham esses resgates, mas suspeitamos que uma boa parte são órfãos, pelo abate de suas mães. São comuns os relatos de filhotes que ficam presos em malhadeiras (redes de pesca de espera). Nestas ocorrências as mães não são avistadas por serem extremamente ariscas, no entanto dificilmente abandonam os filhotes e muito provavelmente ainda estão nas imediações quando os filhotes são resgatados. Nestes casos o correto seria devolvê-los imediatamente à água após tirá-los da malhadeira. A imensa maioria dos filhotes que chega ao Inpa é de recém-nascidos, condição que facilita a sua captura por caçadores para atrair e abater as mães e para o emalhe acidental em redes de pesca.


JC: O Inpa tem um projeto de proteção aos peixes-boi. Como funciona esse projeto e quais resultados já obteve?

VM: O Inpa tem desenvolvido trabalhos de reabilitação, readaptação, manutenção de filhotes e adultos desde 1974, além de diversos estudos nas áreas da fisiologia, nutrição, comportamento, reprodução, educação ambiental, pós-graduação com formação de alunos de mestrado e doutorado, programas de bolsas de estudo e estágios. A grande maioria dos trabalhos de pesquisa sobre a espécie saiu do Inpa. A partir de 2008 iniciamos os trabalhos de soltura na natureza com grande sucesso. Quase meia centena de peixes bois já foram devolvidos ao seu ambiente natural, os lagos e rios amazônicos.


JC: Os peixes-boi só vivem em lagos? O Inpa tem alguma reserva onde eles são criados e protegidos?

AA: Essa espécie (Trichechus inunguis) ocorre em rios e lagos da Amazônia. Nós temos usado uma área de reserva para a soltura, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Piagaçu-Purus, nos municípios de Anori e Beruri. É uma área de várzea muito grande, com muitos lagos, onde a população residente, através de Agentes Ambientais Voluntários locais, participa da vigilância e monitoramento dos animais soltos, os quais carregam rádios transmissores que permitem achar a sua localização por até um ano e meio.


JC: Na Amazônia, em quais lugares os peixes-boi são mais comuns?

VM: Ocorrem em toda a Bacia Amazônica, sendo mais abundantes nos rios e lagos de ‘água branca’, como por exemplo o rio Solimões/Amazonas. São bem menos abundantes em rios de ‘água preta’, como no caso do rio Negro, pois estes são mais pobres em nutrientes e têm menor produção de plantas aquáticas e semiaquáticas, que são o alimento da espécie.


JC: Como o ser humano pode ocupar a Amazônia sem ser um perigo para os peixes-boi?

AA: As principais ameaças à espécie atualmente são a caça e a destruição dos ambientes onde ocorrem, tais como desmatamento e poluição das águas.

Canais de denúncia 

Para reportar crimes ambientais, contate o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) pelo Linha Verde: 0800-618080; a Polícia Militar do Amazonas pelos números: 181 e 190; o Batalhão Ambiental pelo fone: 9 8842-1547; e o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) pelo e-mail: [email protected].

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio

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