Não sei se perceberam, pela minha imagem no site do JCAM, que sou negro. E, além disso, sou filho único, nascido do amor entre um negro, porteiro de edifício, escravo fugido da maldita vida em engenho no interior da Paraíba, e uma jovem cearense, loirinha, fugida da seca severa do interior do Ceará, e tudo no anos 50. E ambos, nunca entraram em uma escola, como alunos, na vida. Se conheceram no Rio de Janeiro, onde nasci, em uma “cabeça-de-porco” no bairro das Laranjeiras. Só Deus sabe o que o casal passou na vida, antes de me colocarem neste mundo. Mas, daí em diante, eu sei, e muito bem. Me criaram com muito Amor, carinho, atenção e cuidados. Mesmo com uma renda mensal miserável, considerando a mentalidade da classe média da época, na qual a tal de ”carteira assinada” era, em muitos casos, uma quimera, meus pais me colocaram, desde os três anos, em colégios particulares, pois não confiavam na eficiência dos colégios públicos. E, desde a minha tenra idade, pessoas caçoavam disso, dizendo:” negro não tem futuro”.
O tempo passou e hoje, com muito orgulho, eu venci na vida. E tudo graças a Deus e aos meus pais. Meus maravilhosos e perfeitos pais. Então, em uma manhã de sábado, em 2006, Deus chamou meu pai para juntar-se ao Seu lado, nos Céus. Eu não estava ao lado dele no momento, pois estava trabalhando. Mas, toda a família estava com ele. O Alzheimer contribuiu para a viagem de papai. Foi uma dor horrível, que nunca irá sarar, junto com a saudade eterna. A vida seguiu. Na época, meus pais moravam comigo e quando mamãe adentrou essa nova situação, ela decidiu sair de Manaus, pois não havia se adaptado ao clima e foi morar com a família em Fortaleza, que a acolheu como a matriarca, pois era uma das filhas da família, ainda com vida. Minha mãe era caçula em uma família de quinze filhos e filhas. Do meu pai, eu só conheci um irmão dele, ainda nos anos 60. Meu pai não falava da infância de escravo, se é que se pode chamar esse período de infância. E isso nos anos 30. Imaginem a alegria e o orgulho dos meus pais, quando eu me formei nos anos 70.
Sempre fui “CDF”, o que se chama hoje em dia, de “nerd”. Ou seja, fiz de tudo para honrar o sacrifício imenso deles em me criar e dar excelente educação, valores e princípios, mercê das injustiças e desaforos sofridos por eles, na nossa “sociedade”. Mas, os desígnios de Deus são perfeitos e, temos que aceitar, agradecer e entender. Numa tarde, deste mês de julho, após a sesta do almoço, Deus levou mamãe para descansar ao Seu lado. E eu, de novo, trabalhando e distante. Recebi a notícia como um violento choque. Mais que violento. Destruidor mesmo. Minha prima disse que mamãe, ao lado dela, pediu um abraço e um beijo e se foi. Em paz. Sem dor. Sem sofrimento. Igual à despedida de meu pai. Eu, mesmo já velho e idoso, não me conformo. Não aceito. Não acredito. Chorar é uma constante, no meu canto, sozinho, como um filho único que sou. Mas, agradeço a Deus pelo privilégio de ter pais corajosos, lutadores, vitoriosos mesmo. Eles merecem toda a Graça Divina. E, quanto a mim, vou passar o resto dos meus dias fazendo o que sempre fiz: honrando a memória deles! E agora, com saudades ! Vá em paz, mamãe. Cuide de papai. E, Deus, cuide deles ! São dois anjos que me deram a vida! Obrigado, por tudo, meus Amados Pais! Hoje, não tem cerveja. Só muita saudade e muito respeito. AMÉM !
É Professor Universitário em Manaus.