Daniel Nascimento-e-Silva, PhD
Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
Ainda que possa acontecer de uma tecnologia ter seu ponto de partida com a suposição de que ela trará determinadas vantagens, esses benefícios estarão sempre voltados para um determinado público-alvo. Isso quer dizer que não é incomum que as tecnologias iniciem com a imaginação dos cientistas. Imaginar é supor que algo vai se comportar de determinada forma e não de outra. Essa suposição pode até ser racionalizada, meticulosamente detalhada, inclusive com a presença de alternativas B e até C. Mas a suposição é ainda um tipo especial de imaginação. O que transforma a imaginação em “realidade” no ponto de partida da criação tecnológica é que ela esteja em conformidade com as diretrizes orientadoras do suprimento de necessidades de um público-alvo real, aferido quantitativa, qualitativa e/ou qualiquantitativamente. Os dados reais colocam conferem realidade ao projeto, enquanto os dados inventados são apenas imaginação de como a realidade supostamente se comporta. Essas considerações são extremamente importantes porque ainda há muitos grupos de pesquisadores iniciativas que teimam em substituir os dados da realidade pelas maravilhas que suas simulações podem lhes mostrar e que, no futuro, próximo ou distante, se transforma em grandes impedimentos para a finalização do projeto e, consequentemente, para o sucesso da tecnologia gerada. É nesse sentido que o conhecimento das necessidades dos clientes deve orientar os procedimentos de prototipagem até que o protótipo seja galgado ao status de tecnologia.
O que é uma necessidade? A definição mais comum encontrada na ciência para necessidade é a que a vincula à fisiologia e à psicologia. Essa explicação diz que uma necessidade é uma forma de requisito, uma exigência, para que o organismo alcance o seu bem-estar. A necessidade é, portanto, sentida, o que a coloca na ordem dos sentimentos. Parece esquisito, mas quando alguém está com fome, a dor que ela experimenta é de cunho sentimental, de forma semelhante à exigência de um automóvel para transpor grandes distâncias: é uma exigência, um requisito do organismo para que possa fazer sua locomoção de forma agradável ou não muito penosa, como seria se fosse feita a pé. Naturalmente que esse sentir é diferente de pessoa para pessoa, dependendo de vários fatores, principalmente os relativos à situação. Sob a ótica da prototipagem, conhecer esses sentimentos é fundamental para que as necessidades sejam supridas no decorrer daquela situação em que esse sentir é expresso, isso porque, se a situação mudar, muito provavelmente os requisitos da necessidade também terão mudado.
Outra concepção científica é que a necessidade é um gap, uma diferença, uma lacuna entre duas situações: a realidade presente e os resultados necessários desejados de uma outra realidade. Note mais uma vez a presença da situação. Se os resultados desejados fossem equivalentes aos resultados presentes, atuais, não haveria necessidade. Novamente aqui aparecem o fenômeno do sentimento (na forma de desejo) e da situação inadequada. É essa insatisfação (que é um sentimento) que aponta a presença de uma necessidade, uma disparidade entre aquilo que se tem e aquilo que se deseja, entre o real e o necessário. Sob a ótica dos esforços de prototipagem, o ponto de partida é o conhecimento dos requisitos desejados e os requisitos atuais, para que a tecnologia faça a ponte entre esses dois pontos. Quando se leva essa concepção para a seara dos desempenhos, a necessidade seria a diferença entre o desempenho atual e o desejado. A prototipagem precisa mirar esse gap.
Uma terceira concepção científica vê a necessidade como uma falta. Esta é uma concepção muito parecida com a psicanalítica, que vê o ser humano como um ente incompleto e que, por essa razão, está condenado à busca eterna da completude. A necessidade, portanto, é aquilo que falta a uma pessoa, grupo de pessoas, organizações e instituições para lhe completar. Não é difícil perceber que essa completude é um sentimento. A pessoa, grupo de pessoas, organização ou instituição (ambas são compostas por pessoas) se sente ou não completo. Se o sentimento for de incompletude, surge a necessidade e, com isso, a busca de se completar. O que vai diferenciar, também aqui, o que é ou não a completude é o bem-estar: se ele estiver presente, há completude. Para os esforços de prototipagem, é fundamental que seja devidamente mapeados os atributos da falta para que ela seja entregue aos indivíduos através dos protótipos. Os protótipos passam a ser, neste caso também, um mecanismo material de suprimento de necessidades que vai eliminar a falta, o sentimento de falta, e restituir o bem-estar às pessoas.
Uma quarta noção de necessidade que predomina na literatura científica é a exigência de mudança. A exigência é um imperativo, não é apenas um desejo. Alguém pode desejar uma coisa e não querer realizá-la. A exigência vai além do querer, de maneira que há a obrigação da realização. Aqui, as pessoas, indivíduos, clientes, usuários, consumidores, enfim, o público-alvo é forçado por alguma situação a demandar a tecnologia para que haja a mudança sobre a cai recai a obrigatoriedade da situação. Foi o caso da pandemia de Covid, em que uma tecnologia era obrigatória (a vacina) para que houvesse a mudança obrigatória da realidade presente (o aumento crescente de mortos) para outra realidade (a contenção da doença), restituindo às pessoas o bem-estar desejado. A vacina foi possível porque os cientistas obtiveram conhecimento sobre as exigências do organismo humano e atenderam a essas exigências com um protótipo que rapidamente se transformou em tecnologia.
Os protótipos só conseguem se transformar em tecnologias e suprir as necessidades das pessoas se atentarem para dois aspectos fundamentais. O primeiro é que as necessidades são um sentimento e como tal precisam ser tratadas. Os protótipos precisam responder aos sentimentos para que possam ser aprovados, sem considerar outros atributos. O segundo é que as necessidades são uma exigência, uma falta, uma discrepância entre a situação presente a desejada. O protótipo precisa fazer a ponte entre o agora e o futuro. O terceiro é que as necessidades são desejos que não são deixados de lado. Se o protótipo realizar esses desejos, ele será demandado.