18 de outubro de 2024

Vozes da Filosofia de Manaus: Nelson Noronha

Para celebrar o Dia do Filósofo, comemorado dia 16 de agosto, apresentaremos aqui, neste espaço, durante todo o mês de agosto, uma série de entrevistas com os mais renomados nomes da Filosofia de Manaus. E nesta primeira entrevista, conheça um pouco da trajetória de vida do filósofo amazonense Nelson Noronha, doutor em filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

“Meu nome é Nelson Matos de Noronha. Sou licenciado em filosofia pela Universidade Federal do Amazonas, onde me formei em 1987. Em 1992, obtive o título de Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Em 2000, obtive o título de Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Durante o curso de doutorado, recebi uma bolsa-sanduíche da CAPES para fazer uma estágio na École Normale Superieure, de Paris, na França. Em 2020, concluí um estágio de pós-doutoramento na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Sou amazonense, nascido em Manaus. Meus pais são oriundos de Benjamin Constant e Atalaia do Norte, no Alto Solimões. Minha infância e juventude foram vividas no bairro de Petrópolis, onde participei dos movimentos de Clube de Jovens e de Comunidade Eclesial de Base. Participei das lutas da União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas (UESA) pela conquista da meia-passagem e pela escolha por eleição direta dos Diretores das Escolas públicas. Fui fundador do Partido dos Trabalhadores, ajudando a criar o Núcleo do PT de Petrópolis.

Em 1991, assumi o cargo de Professor do Magistério Público, no Departamento de Filosofia, da Universidade Federal do Amazonas. Exerci esse cargo até o mês de abril de 2024, quando me aposentei do serviço público. Sou autor, entre outros livros de: História dos Saberes sobre a Linguagem: a questão de suas descontinuidades segundo Michel Foucault (1997), Ciência e Saberes na Amazônia: identidades, territórios, gêneros – na condição de Organizador, junto com Renato Athias, (2006), Sociedade e Cultura na Amazônia: notas sobre a pesquisa e a pós-graduação (2007), A Amazônia dos Viajantes História e Ciência – na condição de Organizador, junto com Almir Diniz de Carvalho Junior, (2011), Doença Mental e Liberdade: Foucault e a problematização da ética em História da Loucura (2017), A Filosofia como Experiência Modificadora de Si – Notas sobre a docência em Filosofia – Foucault e o Filosofar (2021), Rio Negro Terra Indígena Estudos Interdisciplinares: Cultura, Direitos, Arte e Educação no Amazonas – na condição de Organizador (2024).

Ao longo de minha infância e juventude, vivi entre trabalhadores em um bairro pobre de Manaus, onde faltavam os serviços básicos como água, luz, saúde, feiras, asfalto, esgoto e transporte público. Testemunhei as primeiras greves dos trabalhadores do Distrito Industrial, a prisão, em Manaus, do então líder operário Luís Inácio Lula da Silva, o contato com a Teologia da Libertação, as lutas dos estudantes secundaristas e a fundação do Partido dos Trabalhadores. Tudo isso foi determinante para a minha entrada no curso de filosofia e no engajamento no magistério público.

Somos herdeiros do movimento Iluminista, que, no século XVIII, levou à Independência dos Estados Unidos da América, à Revolução Francesa e, no século XX, à Revolução Soviética. Essas revoluções tiveram sobretudo caráter político, mas determinaram mudanças muito profundas na maneira de viver da humanidade. Elas disseminaram os princípios da Autonomia individual, da Autodeterminação dos Povos, da liberdade e da dignidade humana, sem discriminação de qualquer natureza. Apesar desse eventos que já ocorreram há mais de duzentos anos, esses princípios ainda não foram adotados em sua plenitude na maioria dos países do mundo atual, como o Brasil, por exemplo. Aqui, somente a partir da segunda metade do século XX foram adotadas políticas públicas visando à universalização do direito à educação. Ainda hoje, grande parte dos direitos humanos são negligenciados pelas lideranças políticas e empresariais, que os consideram antes como questão de filantropia ou de polícia.

Considero que a filosofia é um campo fundamental para o conhecimento e a reflexão sobre estas questões. Ela nos permite entender que as adversidades de hoje não são determinadas pelo acaso, não são fatalidades nem são inevitáveis, mas são o resultado de nossa história e estão associadas a determinadas maneiras de perceber, ver, pensar e agir elaboradas desde a Antiguidade. Por isso, podem ser objetos de intervenção pelas novas gerações, onde depositamos a esperança de que, mediante a educação, os jovens realizem os ideais do Iluminismo.

A filosofia possui a tarefa de nos dar as ferramentas para que possamos compreender nossa realidade e fazer a crítica, o discernimento, das maneiras como a sociedade enfrenta e propõe soluções para os problemas que nos afligem. Em segundo lugar, a filosofia precisa nos proporcionar as experiências que nos permitam mudar nossas maneiras de ver, sentir, pensar, falar e agir diante dessas questões. Por fim, pensar é a experiência mais significativa para quem vive em sociedade e cultiva o amor desinteressado pela humanidade. A filosofia é a atividade pela qual o pensamento pode se libertar dos preconceitos que nos impedem de cultivar esse amor”.

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.

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