A fumaça das queimadas que estão ocorrendo no Sul do Amazonas onde há estradas e campos, condição que facilita a combustão dos materiais da flora neste ambiente, não ocorre no Trecho do Meio da rodovia BR 319 por não haver estradas nem campos.
Este quadro inclusive amplamente divulgado pela imprensa, tem relação direta com a discussão da liberação da obra.
A licença 672/2022 do IBAMA concedida para o DNIT dar andamento às condicionantes do licenciamento para reconstrução do citado Trecho do Meio da rodovia Manaus-Porto Velho, está suspensa pelo TRF1 desde 23/08/2024, por decisão desfavorável ao recurso impetrado pela Advocacia-Geral da União (AGU) que pretendia a liberação da licença.
A concepção da suspensão determinada judicialmente remete o caso a um patamar mais amplo da questão ambiental, que está na justificativa do juiz de que “…deve prevalecer o princípio constitucional da prevenção, recomendando cautela e prudência em casos de dúvida sobre os impactos ambientais”.
Nesta visão mais ampla, provavelmente não caibam argumentos de interesses mais imediatos, mesmo que legítimos, tanto na questão econômica quanto na questão social, como os alegados pela AGU. Porém , em contraponto, parece também serem legítimos os argumentos a favor dos cuidados ambientais necessários, não suficientemente comprovados nos Autos, segundo consta na sentença. Esta é a questão.
O magistrado parece considerar que a preocupação com as chamadas Futuras Gerações deva ser considerada de fato, o que não fora abordado pela AGU. Os tais serviços ambientais que a floresta presta à atmosfera, às chuvas, às atividades agrícolas no Centro Oeste brasileiro e ao suprimento de água, devem ser considerados como situações reais na visão do juízo, questões igualmente não abordadas pela AGU.
Segundo a sentença, o perigo à ordem pública alegado no recurso da AGU não reside na suspensão das obras, mas sim no avanço delas sem as medidas estruturais necessárias para mitigar os danos.
O juízo indicou que precisaria receber demonstrações claras de que o Trecho do Meio não vai desencadear o mesmo ciclo conhecido que já ocorrera em outras regiões da Amazônia onde se implantaram estradas, como o caso do mencionado Sul do Amazonas.
A dificuldade é que não existem ainda as tais demonstrações claras que garantam o que pretende a justiça conforme determina o artigo 225 da CF.
O histórico brasileiro nestas práticas, é fato, não ajuda.
É preciso a estrada, porém seu sucesso ambiental é uma incógnita que ainda ninguém pode avalizar.
O compromisso do Brasil com a comunidade internacional relacionado à Amazônia de certo também faz parte do processo da rodovia, razão pela qual deve-se buscar as garantias técnicas ainda não existentes de que não se produzirá um desacerto ambiental que seria comprovado em 10 ou 20 anos, sabe-se lá se irreversível.
A sentença judicial pode estar considerando que se passaram 30 anos de discussão sobre a estrada, e neste período Manaus prosperou como poucas cidades prosperaram. Mesmo sem a estrada, a capital ultrapassa 2,4 milhões habitantes e seu polo industrial é um dos maiores da América Latina, gerando recursos que permitem educação e saúde no interior.
Mesmo assim, a rodovia economicamente e socialmente até seria benéfica e deve ser buscada, mas não parece aceitável pela justiça e pela CF que seja atabalhoadamente para atender percalços de uma estiagem, sem as garantias necessárias.
Ou se dá como verdadeiras as citações das chamadas Futuras Gerações e dos necessários serviços ambientais, ou o Brasil declara que não concorda com estas teses e segue mais livre inclusive para outras BR.
Talvez o juiz tenha filhos e netos, e pense até nos bisnetos e nos filhos deles, e assim por diante.
É o que diz a CF, mesmo que nem todos a tenham lido.
(*) Amazonólogo, MSc em Sociedade e Cultura da Amazônia – UFAM, Economista, Contabilista, Professor de Pós-Graduação e Consultor de empresas especializado em ZFM.