19 de outubro de 2024

A diplomacia de lula esmoreceu?

Tanto no discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto no de seu chanceler, Mauro Vieira, em janeiro de 2023, havia uma preocupação uníssona: a retomada da agenda internacional do Brasil. A reconstrução da política externa brasileira — diziam os estrategistas do recém-empossado governo — tinha como propósito superar o imobilismo e o isolacionismo impostos pelas principais potências ao governo anterior, do presidente Jair Bolsonaro, e reposicionar o Brasil na arena internacional.

Em certa medida, a comunidade de analistas de assuntos internacionais considerava essa aposta coerente, parecendo, de fato, repetir, em novos termos e sob novo cenário, a bem-sucedida estratégia de política externa Ativa e Altiva, construída ao longo do período 2003-2010 por Lula, Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães.

Entretanto, ao longo de vinte anos — de 2003 a 2023 —, a política internacional passou por profundas transformações. No início da década de 2000, a grande preocupação da agenda global era a consolidação do multilateralismo, a expansão da democracia como fenômeno universal e a abertura dos mercados globais para as principais rotas comerciais e financeiras.

Foi nesse contexto que Lula se tornou uma liderança global reconhecida por seus pares.

Todavia, o início da presente década parece ser o “cemitério” da ordem liberal global. O otimismo daquele período se esvaiu e foi substituído por um realismo doloroso, imposto pelas potências globais.

A ascensão de nacionalismos étnicos, religiosos e seculares trouxe novos significados para a luta ideológica convencional — direita vs. esquerda, conservadores vs. progressistas — colocando em destaque os valores nacionais, a segurança e a defesa nacional. Essas questões são especialmente visíveis em regiões de conflito, como o Leste Europeu, o Leste Asiático, a África e o Oriente Médio.

Outro ponto central é a consolidação de regimes autoritários em diversas partes do mundo. A normalização e legitimação desses governos na comunidade internacional são passos decisivos para a manutenção da instabilidade no regime internacional. Ao contrário do que muitos imaginam, lideranças autoritárias frequentemente causam insegurança regional e tendem a ser mais beligerantes.

A guerra na Ucrânia abriu uma nova fissura na política internacional. A retomada de dinâmicas geopolíticas, geoeconômicas e geoestratégicas indica que estamos vivendo uma nova era — uma fase de tensões, conflitos e alianças entre potências e blocos de poder.

A máxima hobbesiana “bellum omnium contra omnes” (guerra de todos contra todos) parece voltar a ser a lógica predominante no sistema internacional.

Diante desse cenário, tentamos responder a três questões fundamentais:

  1. Qual será o papel de Lula na condução da política externa brasileira diante dos conflitos internacionais multidimensionais?

O papel de Lula na condução da política externa tem sido marcado por uma abordagem multilateral e pelo foco no fortalecimento das relações globais no eixo Sul-Sul, ou Sul Global. O presidente busca reforçar a presença do Brasil em fóruns internacionais como a ONU, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o G20, defendendo uma ordem global mais justa e uma maior representatividade dos países em desenvolvimento nas decisões globais. Além disso, Lula advoga por reformas em instituições globais, sobretudo o Conselho de Segurança da ONU.

O governo também tem como prioridade a integração regional, reatando laços com os vizinhos sul-americanos e promovendo o Mercosul e a Unasul. (Algo que até o momento está limitado à retórica presidencial). Há uma clara política Sul-Sul e cooperação com países emergentes, como China (a líder inconteste do bloco), Rússia, Índia e África do Sul, através do BRICS+. Outro foco é a agenda ambiental, especialmente em relação à preservação da floresta amazônica e ao cumprimento de metas de redução de emissões de carbono.

No que diz respeito a questões geopolíticas, Lula adota uma posição equilibrada, de neutralidade pragmática, evitando alinhamentos automáticos com qualquer bloco geopolítico e buscando manter o Brasil como mediador em conflitos internacionais.

  1. O Brasil pode perder posição nesta nova competição global?

Sim, o Brasil pode perder espaço na nova competição global, a depender de sua capacidade de adaptação às rápidas transformações econômicas, políticas e tecnológicas. O mundo está passando por mudanças disruptivas, como a transição para economias mais sustentáveis, a economia das IAs, a ascensão de novas potências globais e a competição por recursos e mercados.

O Brasil possui vantagens significativas, como a abundância de recursos naturais e uma posição geopolítica estratégica. Certamente, o futuro do país dependerá de como essas vantagens serão geridas e de sua habilidade para se posicionar adequadamente na nova ordem mundial.

  1. A estratégia de equidistância pragmática pode ainda trazer ganhos relativos para a inserção internacional do Brasil?

Sim, a estratégia de equidistância pragmática, e suas variantes, pode continuar trazendo ganhos para a inserção internacional do Brasil, desde que seja conduzida de forma eficaz e adaptada ao cenário geopolítico contemporâneo.

Por definição, a equidistância pragmática, conceito de política exterior formulado e aplicado por Getúlio Vargas na década de 1940, refere-se à capacidade do Brasil de manter relações construtivas e equilibradas com diferentes blocos geopolíticos, sem se alinhar automaticamente às grandes potências ou se envolver diretamente em confrontos.

Essa estratégia permite que o Brasil mantenha uma posição autônoma, preservando a liberdade de escolher suas alianças com base em seus próprios interesses nacionais. Essa flexibilidade pode ampliar o campo de ação do país, fortalecendo sua imagem como um ator independente, capaz de dialogar com potências ocidentais, emergentes como China, Rússia e Índia, e países do Sul Global.

Em suma, a política externa de Lula, apesar de enfrentar um cenário internacional significativamente mais desafiador do que em seus mandatos anteriores, mantém potencial de reposicionar o Brasil como um mediador global e um defensor do multilateralismo. A estratégia de equidistância pragmática, se aplicada de forma inteligente e sensível às novas realidades do sistema internacional em crise, pode continuar gerando ganhos importantes para a inserção internacional do país. No entanto, o sucesso dessa abordagem dependerá da capacidade do governo de se adaptar às rápidas mudanças geopolíticas, mantendo, assim, sua relevância e autonomia em um mundo cada vez mais fragmentado, competitivo e conflitivo.

*é cientista político

 

 

 

 

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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