A torcida do governo brasileiro pela vitória de Kamala Harris não surtiu efeito. Donald Trump confirmou o favoritismo nas pesquisas, derrotou a candidata do Partido Democrata e foi eleito o 47º presidente dos Estados Unidos. Aos 78 anos, o líder republicano governará a nação mais poderosa do mundo pelos próximos quatro anos.
Em sua segunda passagem pela Casa Branca, Trump enfrentará o desafio de governar uma superpotência mergulhada em conflitos armados ao redor do mundo, bem como internamente dividida.
A política externa de Biden (2020-2024) pode ser caracterizada como uma combinação fatal de arrogância com fraqueza estratégica. A retirada desastrosa das tropas norte-americanas do Afeganistão – eternizada pela cena de pessoas agarradas nas asas de uma aeronave C-17 – simbolizou as vulnerabilidades estratégicas do governo Biden. O início da Guerra na Ucrânia, as provocações à China com a questão de Taiwan e as ações militares de Israel no Oriente Médio comprometeram o futuro político dos democratas nos Estados Unidos.
A dimensão interna não pode ser desconsiderada ao analisarmos as forças profundas que favoreceram o retorno de Trump. Ele governará uma América absolutamente fragmentada, sufocada por conflitos raciais, étnicos, sexuais e geracionais. A unidade nacional, caracterizada pelo espírito patriótico e pela cultura cívica, encontra-se hoje diluída. As lutas internas tornaram-se intensas, estimuladas por um multiculturalismo exacerbado e desintegrador do elemento psicossocial.
Trump, contudo, é parte do problema, e não da solução. Ao longo de suas campanhas presidenciais e de seu período como chefe de Estado, contribuiu para alimentar um clima de conflito entre os cidadãos americanos, ultrapassando, por vezes, as linhas vermelhas da relação de civilidade que a liturgia do cargo exige. Seu nacional-populismo sufocou as instâncias do Partido Republicano a tal ponto que o partido se tornou refém de sua vontade, de seus desejos e ambições. Embora o partido possuísse poder e tradição, carecia de popularidade e apoio das massas trabalhadoras, impactadas por uma brutal desindustrialização pela qual passa o país.
O trumpismo consolidou-se como uma ideologia mobilizadora eficaz por sua comunicação direta: dialoga com uma classe produtiva subalternizada por uma elite globalista e cosmopolita que controla os destinos da globalização, punindo setores produtivos, especialmente a indústria americana (o chão de fábrica do capitalismo).
A aliança entre os Democratas e o PT não foi duradoura. Enfraquecido por guerras mal calculadas na Europa e no Oriente Médio, Joe Biden foi incapaz de estabelecer uma parceria sólida com Lula em temas de interesse mútuo.
Se a parceria Biden-Lula não prosperou, o mesmo não se pode dizer da relação Trump-Bolsonaro. A oposição bolsonarista ao governo brasileiro está bem articulada internacionalmente, e as denúncias de abusos do ativismo judicial (censura e prisões arbitrárias) promovidas pelo STF tornaram-se pauta até no Congresso dos Estados Unidos. O banimento da rede social X e as multas exorbitantes durante o último processo eleitoral expuseram ainda mais, na comunidade internacional, a forma de atuação do regime brasileiro controlado pelo STF.
É possível que ocorra um fortalecimento da aliança Trump-Bolsonaro contra a atual classe dirigente brasileira, com a possível aplicação de sanções internacionais a membros do governo e do judiciário. Vale lembrar que essas práticas unilaterais – aplicação de sanções – são comuns quando presidentes norte-americanos tentam coagir opositores externos.
A presença de interesses norte-americanos na política nacional brasileira é indiscutível. A falta de autonomia na defesa dos interesses nacionais faz com que as nossas elites estejam sempre a serviço de um lado ou de outro do espectro bipartidário norte-americano. Em suma, a ingerência estrangeira em assuntos internos brasileiros ocorre, seja pelos democratas, seja pelos republicanos.
A vitória de Trump acende um alerta vermelho. Na prática, pode representar um retorno ao nacional-populismo e indica uma possível reconfiguração das relações internacionais, inclusive com o Brasil. A proximidade entre Trump e Bolsonaro pode trazer consequências para a política interna brasileira e reforçar as pressões sobre o governo do presidente Lula. O desafio para o Brasil será encontrar uma postura independente, pragmática e estratégica diante dessa nova configuração, protegendo seus interesses e fortalecendo a soberania nacional.
*é cientista político