Meu tio Urbano nasceu em 1893 em Orense (Espanha) e emigrou para o Brasil em 1912 se fixando em Manaus. Tornou-se funcionário público do Estado e por sua determinação e talento chegou ao cargo de direção administrativa do então “Hospital de Alienados Eduardo Ribeiro”. Graças à sua interferência foi conseguida a cognominação de Hospital – Colônia Eduardo Ribeiro já que pelas normas vigentes à época só assim poder-se-ia denominar algum centro hospitalar, se este fosse dotado de inúmeros hectares de terra. Com suas economias de anos e anos adquiriu a extensa área de que hoje o mencionado hospital é possuidor. Lavrou escritura. Não em seu nome, mas no do próprio estabelecimento estadual. Anos depois, o governo Álvaro Maia reconhecendo o valor de seu desprendimento e magnânimo gesto reembolsou-o devidamente. Foram-lhe outorgados graças a seus méritos, títulos e medalhas honoríficas no decorrer de sua vida. Como a:
- Taça – Premio de “Melhor Servidor Público” do Estado do Amazonas em 1957 (Oferta especial do jornal “A Critica” na pessoa de seu diretor-presidente Umberto Calderaro).
- Diploma e medalha de ouro amazonense de mérito em 1965, conferidos pelo governo Arthur César Ferreira Reis – por relevantes serviços prestados à administração pública.
- Título de Cidadão Benemérito do Amazonas em 1978 – conferido no governo Henoch da Silva Reis. Faleceu em 1978, sendo alvo de homenagens póstumas por membros da Assembléia Legislativa do Amazonas, por radialistas como Josué Cláudio de Souza que lhe dedicou por inteiro a sua famosa “Crônica do dia” e artigos jornalísticos que relembraram sua vida de abnegação e amor à causa escolhida. A rua que fica em frente ao Hospital chama-se Urbano Novoa, (dantes Rua da Indústria) como a simbolizar sua presença frente àquela casa que foi sua dedicação durante cinqüenta e sete anos de sua vida.
Como fato curioso, mas que evidencia sua faceta desprovida de ambições materialísticas exageradas, em 1937 o Governo Álvaro Maia doou o terreno ao lado do hospital para ele e sua família (a área compreendia até onde hoje se situa o antigo Estádio Vivaldo Lima) hoje Arena da Amazônia. Para que não pensassem mal de sua pessoa passou em cartório tudo para a Santa Casa de Misericórdia onde se encontrava sua foto no salão nobre como sócio fundador e benfeitor antes das ruínas. Urbano Novoa sempre praticou essa política humanitária do hoje para com os internos. Um ético e humanitarista por excelência. Não permitia que ninguém se referisse aos internos como “loucos” ou “doidos” (hoje termos politicamente incorretos) e sim como “doentes”. Viúvo e com filhos já casados, morava numa casa de madeira avarandada atrás do hospital ou do “hospício” (como Manaus inteira chamava). Ele sabia reaver a auto-estima dos internos reabilitados. Estes não queriam sair do hospital. Assim dava-lhes funções (terapia ocupacional). O “Baiano” (um negro forte e altíssimo) tomava conta da casa. Vicentinho, cozinhava. Outro era o seu motorista. Muitos preparavam hortas, plantavam árvores frutíferas e jardins. Era, tio Urbano (sim, ele era meu tio) idolatrado por eles. E quantas vezes não foi chamado por amigos e conhecidos de “louco”, por conviver e dormir baixo o mesmo teto com os ex-internos? Nos dias atuais é novidade e o assunto em pauta é a aplicação e a reinserção do ex-paciente na sociedade a fim de não estigmatizá-lo. Esse método foi usado durante cinqüenta anos com pleno êxito. Mas é preciso o “amar e deixar-se amar” de meu tio Urbano. Ele de 1915 a 1965 fez essa experiência ético-humana e cristã de viver e conviver sob o signo do coração com “seus doentes”. Tudo isso sob o mesmo teto.
CARMEN NOVOA SILVA, é Teóloga e membro da Academia Amazonense de Letras e da Academia Marial do Santuário Nacional de Aparecida-SP