22 de novembro de 2024

A cólera dos deuses

Breno Rodrigo de Messias Leite*

Na interação estratégica da política internacional, os estadistas adotam preferencialmente três formas de ação: cooperação, coexistência e conflito. A primeira forma é coerente com o princípio pacifista que rege a relação entre dois ou mais países. Já a segunda forma, a coexistência, é prudencial, conservadora e busca o equilíbrio como estratégia para a definição das relações entre as nações. Por fim, a terceira interação estratégica é a conflitividade baseada na guerra e no seu potencial transformador na arena internacional.

A evolução da política internacional no Ocidente – o sistema imperial antigo, o sistema feudal e o sistema anárquico moderno – revolucionou definitivamente a relação entre os Estados ao longo da história. As condicionantes realistas do poder no Estado-nacional moderno moldam e são moldados pelos regimes internacionais no seu conjunto. Todos os acordos internacionais duradouros – os acordos bem-sucedidos, como a Paz de Vestfália, o Congresso de Viena, etc. – respeitaram tal preceito lógico e prático. 

Ao referirmo-nos à política internacional, falamos sobre controle territorial. É o controle do território a razão de ser dos Estados nacionais. O desenho do território em linhas fronteiriças estabelece os limites dos nacionais, dos cidadãos que vivem, produzem e se reproduzem biologicamente naquele país. Uma vez definido o território e a sua população, é possível pensarmos numa soberania mais ou menos coerente com os desígnios daquele agrupamento territorializado.

As soberanias são nacionais. É propriedade dos estadistas, os antigos soberanos. A política internacional é, por natureza, anárquica, isto é, desprovida de uma autoridade mundialmente aceita: um governo mundial. Além do mais, deve-se pensar hobbesianamente num sistema internacional calcado única e exclusivamente na autoajuda e no autointeresse dos próprios Estados. Estadistas não medem esforços para conservarem as conquistas nacionais alcançadas – quer as suas próprias conquistas, quer aquelas legadas do passado.

As diferenças entre a vida interna e a vida internacional são duas paralelas em constante contradição. No domínio nacional, estadistas são limitados pelas legislações positivadas nas regras constitucionais. Estadistas são responsivos às leis nacionais e à opinião pública (quando há opinião pública). Nas relações internacionais, por sua vez, a ação dos estadistas é operada pela lógica do compromisso diplomático ou pela lógica das operações militares. Uma ou outra, uma e outra: as combinações em termos de realpolitik são infinitas e inesgotáveis no seu exercício. Na arena internacional, a ordem legal assimetricamente distribuída pela comunidade de Estados é secundária; a eficácia das punições às transgressões e das sanções a governos e seus agentes é relativa, pois nenhum Estado, nem mesmo a hegemonia declinante, possui o controle do uso exclusivo da força nas relações internacionais.

A dispersão dos interesses na política internacional permite aos estadistas montarem as suas estratégias no tempo e no espaço. Tratados paz ou declarações de guerra – de um extremo a outro – equilibram e desequilibram a balança de poder. As mudanças da ordem reconfiguram a composição orgânica do poder global em todos os níveis (o eixo nacional-regional-internacional).

O poder dos estadistas é como a cólera dos deuses: enfrentam situações de extrema limitação, de grandes desafios e de enormes dificuldades, onde a ira dos deuses está lá presente.   

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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