23 de novembro de 2024

A crise da ordem vestfaliana

Breno Rodrigo de Messias Leite* 

O sistema internacional baseado em regras entrou num turbilhão de crises sem precedentes. Para além dos conflitos internacionais multidimensionais – guerras convencionais, conflitos assimétricos, instabilidades internas, problemas migratórios, emergência de organizações militares lideradas por narcotraficantes, terrorismo internacional, etc –é possível observarmos uma nova tendência na relação entre Estados: a ruptura dos princípios diplomáticos e das regras costumeiras que regem há séculos a política internacional nos tempos de paz e em tempos de guerra.

O marco fundamental da construção de um sistema internacional entre os Estados europeus foi a Paz de Vestfália, que definiu os destinos da ordem internacional europeia logo após o término da Guerra dos Trinta Anos. Em dois tratados principais –o Tratado de Münster e o Tratado de Osnabrück, ambos de 1648 –, o sistema vestfaliano definiu os termos, princípios e valores da ordem internacional europeia e mundial. Dentre os principais pontos dos acordos de Vestfália, podemos apontar: 1) Princípio da soberania territorial; 2) Independência dos Estados; 3) Legitimidade de todas as formas de governo; 4) Liberdade religiosa e tolerância. O sistema vestfaliano estabeleceu, portanto, um conceito secular (ou transreligioso) de ordem internacional baseado na força da Razão de Estado, no princípio da Balança de Poder e na Diplomacia como instrumento dos estadistas na condução da política internacional.  

A relação entre os regimes internacionais e as representações diplomáticas é um subproduto e uma evolução do sistema vestfaliano do século 17. As embaixadas, os consulados e outras formas de representação diplomática são legitimados pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961). Tal convenção, de 1961, estabelece as normas e os princípios legais das questões diplomáticas entre Estados. Além do mais, as representações diplomáticas assumem um papel fundamental nas relações internacionais, sobretudo na comunicação entre as autoridades eleitas, as negociações internacionais e as formas de cooperação entre países. Por isso, a inviolabilidade dessas representações diplomáticas, não importando a natureza do regime político ou a conveniência eleitoral, é um princípio inegociável do direito internacional, salvo algumas exceções.

São princípios ordenadores do sistema vestfaliano para o direito internacional:

O reconhecimento mútuo e igualdade soberana dos governos 

O direito internacional reconhece a plena igualdade da soberania de todos os Estados e, portanto, reconhece o direito de cada país de enviar e receber missões diplomáticas independente da sua forma de governo e do seu regime político. As embaixadas são o principal meio pelo qual os Estados mantêm relações diplomáticas entre si, negociam acordos, promovem interesses e representam seus governos no exterior.

A proteção e inviolabilidade 

O direito internacional, ainda na Convenção de Viena, estabelece o princípio da inviolabilidade das instalações diplomáticas. Isso significa que as embaixadas e seus arredores são considerados território do Estado anfitrião, mas são asseguradas a proteção e a inviolabilidade diplomáticas. Nenhuma autoridade do Estado anfitrião pode entrar na embaixada sem o consentimento do chefe da missão estrangeira. Essa proteção visa garantir a segurança dos diplomatas e dos oficiais de chancelaria, a confidencialidade das comunicações e a integridade das funções diplomáticas como um todo.

Imunidades e privilégios

 O direito internacional confere certas imunidades e privilégios aos diplomatas e aos funcionários das embaixadas, conforme estabelecido na Convenção de Viena. Isso inclui imunidade de jurisdição criminal e civil, isenção de impostos e direitos aduaneiros, liberdade de comunicação e trânsito, entre outros dispositivos legais. Essas imunidades e privilégios são essenciais para garantir que os diplomatas possam desempenhar suas funções sem interferência indevida do Estado anfitrião.

Resolução de disputas

O direito internacional também fornece mecanismos para resolver disputas relacionadas às representações diplomáticas das embaixadas. Em caso de violações da Convenção de Viena ou de outras normas do direito internacional, os Estados podem recorrer a métodos diplomáticos, como consultas, negociações ou mediação de terceiros, para resolver as disputas de forma pacífica e de acordo com o direito internacional.

A crise na arquitetura do sistema vestfaliano já pode ser observada na forma como os governos vêm tratando as missões e instalações diplomáticas mundo afora. O bombardeio da embaixada do Irã na Síria, a invasão da embaixada do México no Equador, entre outros tantos casos, são sintomas de uma crise de legitimidade diplomática que se aproxima. As representações diplomáticas das embaixadas são uma parte integrante (e fundante) das relações internacionais e são salvaguardadas pelo direito internacional, sobretudo pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. A inviolabilidade das representações diplomáticas é um princípio do direito internacional que assume um protagonismo decisivo na promoção da paz, da segurança internacional e da cooperação entre os Estados soberanos. Ao garantir a segurança e a integridade das missões diplomáticas, este princípio contribui para a preservação da ordem internacional estável e pacífica.

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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