A trajetória do Barão do Rio Branco (1845-1912) reflete a complexa relação entre o Brasil e o sistema internacional regido pelas grandes potências. Durante seus anos de formação, o Barão foi um espectador engajado da cena internacional e presenciou a emergência de um mundo marcado pelas hierarquias sistêmicas e assimétricas das nações, sobretudo pelo poder das grandes potências europeias, dos Estados Unidos, da Rússia e do Japão Imperial.
Seus valores e sua visão de mundo foram certamente moldados tanto pela sociedade internacional hierarquizada e oligárquica em que foi socializado quanto por sua longa experiência no serviço diplomático, em um contexto histórico de ascensão dos impérios na transição dos séculos XIX e XX.
Vivendo mais de um quarto de século no exterior, José Maria da Silva Paranhos Júnior testemunhou de perto as engrenagens imperiais e coloniais que moviam as relações internacionais, compreendendo, assim, as dinâmicas de poder que definiam a época.
No cerne de sua visão estava a aceitação da ordem internacional como algo natural e, em certa medida, imutável. Como um conservador no sentido mais estrito termo, o barão do Rio Branco não priorizava a transformação das estruturas políticas ou sociais do mundo, preferindo, assim, atuar dentro das regras estabelecidas pelas grandes potências na implacável lógica do ad conservandum in Europa equilibrium.
Essa abordagem pragmática e realista da política internacional guiava suas ações no campo específico da diplomacia e da política externa, onde ele reconhecia e aceitava sem titubear as diferenças objetivas de poder entre os países como um dado da realidade. Para o Barão, o uso da força nas relações internacionais era compreendido – e até justificado – dentro dessa lógica hierárquica irrefreável.
As nações mais fracas, desprovidas de poder militar ou instrumentos diplomáticos robustos, na perspectiva do Barão, dispunham tão-somente do Direito Internacional como recurso viável frente às potências dominantes do sistema internacional. Isso se manifestou, por exemplo, em suas tentativas de posicionar o Brasil no sistema internacional e de obter reconhecimento como um país mais influente na arena regional, notadamente na América Latina e na América do Sul.
A Conferência de Haia, onde o Brasil buscou se afirmar entre as grandes nações, exemplifica a limitação dessa estratégia. Ainda assim, o fracasso em ser plenamente reconhecido entre os dominantes não abalou a crença de Rio Branco na necessidade de fortalecer o país por meio de alianças estratégicas (e.g., Estados Unidos) e de sua imagem internacional como país pacífico e cooperativo.
É fato que Rio Branco percebia o sistema internacional como uma estrutura hierárquica e dinâmica, na qual a posição de cada país determinava as regras a serem seguidas nas relações políticas, econômicas e ideológicas. Os países fracos, instáveis ou avessos às normas do sistema — como o cumprimento de dívidas (vide o caso da imposição de um bloqueio naval à Venezuela, em 1902, e a reação da Doutrina Drago) — estavam sujeitos a intervenções que ele considerava justificáveis. Em contraste, os países fortes, estáveis e “civilizados” eram menos vulneráveis às formas mais brutais de imperialismo e colonialismo.
Dentro desse contexto, a imagem e a posição internacional do Brasil tornaram-se uma preocupação central para o Barão do Rio Branco e seu círculo do serviço diplomático brasileiro. Mais do que uma questão de vaidade ou de identidade com os valores dominantes do período, essa prioridade refletia sua compreensão do papel da percepção internacional na segurança e independência do país vis-à-vis às políticas agressivas das grandes potências. O fortalecimento da posição brasileira como um Estado estável e respeitável foi parte essencial de sua estratégia para colocar o Brasil em condição mais favorável no concerto das nações mais relevantes do mundo.
Logo, o realismo, o conservadorismo, o americanismo pragmático e a crença em um mundo oligárquico e hierárquico moldaram profundamente a atuação de Rio Branco como pensador da política internacional e como chanceler da política exterior brasileira. Para ele, cabia ao Brasil adaptar-se à ordem internacional vigente, fortalecer-se internamente e buscar alianças estratégicas para garantir sua segurança e autonomia em um sistema internacional dominado pelas grandes potências. Essa visão pragmática, que muitas vezes exigia resignação frente às desigualdades de poder, marcou a política externa brasileira em um período crucial de sua história.
*é cientista político