Alexis de Tocqueville, o mais brilhante pensador liberal francês, em uma de suas reflexões no livro “A Democracia na América”, de 1835, aponta que a experiência mais sutil da democracia está nos municípios; e os Estados Unidos eram – e ainda o são – a sua melhor tradução do espírito da liberdade democrática. Em outras palavras, esta consideração revolucionária de Tocqueville, que já perduram alguns séculos, evidencia a importância da vida na municipalidade – a outrora polis grega – na construção das democracias modernas.
As experiências políticas dos últimos três séculos só confirmaram as premissas lançadas à luz por Tocqueville. Depois de todo o terror revolucionário, das manifestações de nacionalismo, da radicalização dos movimentos socialistas etc., o teste de fogo das democracias já está mais que provado que a cidade civilizada demanda por descentralização do poder e maior controle dos cidadãos. A vida nas cidades é a realização do próprio sentido de organização urbana, efetivação das leis e controle da qualidade das políticas públicas universais.
Historicamente, os brasileiros atribuem pouco valor político à instância municipal. Os municípios são percebidos como espaços de limitada relevância na correlação de forças e no jogo de poder, o que de certa maneira compromete uma experiência democrática mais saudável.
Porém, desde a Constituição de 1988, uma interpretação inovadora acentua mais prerrogativas institucionais aos municípios. Maior poder orçamentário, autonomia na formulação de políticas públicas e responsabilidade com as políticas sociais. À guisa de exemplo, o sucesso do Programa Bolsa Família se deve fundamentalmente a transferência direta de recursos dos governos federal para as prefeituras, atingindo diretamente as pessoas mais necessitadas. Assim, o municipalismo refloresce no Brasil com amplo respaldo constitucional.
Os resultados das últimas eleições traduzem o grau de atenção que devemos dar aos municípios, pois dois fenômenos estão se complementando: a federalização dos municípios e a municipalização da federação. O primeiro fenômeno diz respeito ao peso do governo federal na transferência de recursos do orçamento para os municípios brasileiro. E o segundo fenômeno, a preocupação do governo federal com assuntos relacionados aos problemas municipais. Esta interdependência reforça ainda mais a necessidade do diálogo entre os poderes da República.
O que realmente está em jogo é, em última instância, controle do poder municipal para a corrida eleitoral de 2018. A possibilidade real de após o enfrentamento eleitoral, os políticos eleitos conduzirem as formulações das políticas sociais, do orçamento e da direção da convergência do poder político. A política, embora não pareça, é o centro da discussão eleitoral com impactos de curto prazo nas decisões nacionais.
A política não se conforma como uma técnica controlada pelos especialistas. Pelo contrário, o método político democrático é a plataforma de discussão dos políticos profissionais e dos cidadãos. Portanto, o Município, o Estado e a União não deveriam ser as casas dos “policratas” (neologismo criado por Roberto Campos). As esferas públicas de discussão e decisão são espaços a serem ocupados pelo povo e pelos seus representantes direitos. Por isso, defendo a participação cidadã com maior fortalecimento da democracia representativa. A democracia brasileira só tem a ganhar.
*Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político