Segundo análise de registros obtidos junto à NASA, Itacoatiara é a segunda cidade no entorno de Manaus com o maior registro de fogos ativos e anomalias térmicas intensas ocorridos entre agosto e outubro de 2023. Este artigo revela os locais e momentos desses eventos, enquanto cobra das autoridades por ações concretas e transparentes para reduzir a degradação das áreas verdes, melhorar o clima e a qualidade do ar na região.
Itacoatiara tem 149 anos e nela há cerca de 103.598 moradores que vivem em uma área de 8.892 km2. Esta cidade está distante cerca de 176 km de Manaus e está próxima de Silves, Urucurituba, Boa Vista do Ramos, Maués, Nova Olinda do Norte, Autazes, Careiro, Rio Preto da Eva e Manaus. Além disso, é reconhecida por sua gastronomia e pelo Festival da Canção de Itacoatiara (FECANI).
Em termos econômicos, segundo relatório da SEDECTI (https://tinyurl.com/bnddjra9), em 2019, Itacoatiara teve o 3o maior PIB do Amazonas, atrás apenas de Manaus e Coari, e ficou entre as três cidades que se destacam com a agropecuária. Para saber mais, ao acessar o site da prefeitura de Itacoatiara em busca do plano plurianual (PPA) do município, na seção que supostamente está relacionada com transparência (https://tinyurl.com/y6sweppb), não foi possível identificar e baixar o documento, mas uma busca alternativa pela câmara municipal da cidade identificou apenas o PPA de 2014 a 2017 (https://tinyurl.com/52vaeef5); nele (p. 3) é possível identificar que no setor primário, Itacoatiara apresenta pequenos e médios proprietários que priorizam a criação de gado bovino de corte e suínos.
Além disso, a cidade se destaca com produtos derivados da extração vegetal, tais como açaí, castanha do Pará e da madeira que, durante o processo de extração, é transformada em carvão, lenha e toras. Isso pode explicar o alto número de fogos intensos ou muito intensos (337 registros) registrados na cidade ao longo da pesquisa, colocando-a como a segunda pior no entorno de 300 km de raio do centro de Manaus, perdendo apenas para Autazes.
Dando prosseguimento aos artigos publicados no JCAM, a análise de 337 registros dos satélites da NASA/FIRMS revelou as seguintes estatísticas:
1) em termos de Potência Radiativa do Fogo (PRF), a maioria dos eventos (332; 98,52%) foi classificada como Alta, ou seja, acima de 100 MW e igual ou abaixo de 600 MW. Enquanto cinco registros (1,48%) foram considerados muito altos (PRF>600 MW), representando grandes incêndios.
2) os dias mais críticos em termos de número de focos e anomalias térmicas foram quarta-feira (58; 17,21%), sábado (56; 16,62%), sexta (55; 16,32%) e quinta (54; 16,02%).
Quanto à Média da PRF (XPRF), os dias mais críticos foram sexta-feira (XPRF=287,50MW), segunda (XPRF=210,18MW) e quarta (XPRF=202,09MW), seguidos por terça (XPRF=193,07) e quinta (XPRF=187,40MW).
A maioria dos eventos foi registrada pelos satélites da NASA de Dia (336; 99,70%), enquanto apenas um foi registrado pela noite (0,30%).
O horário em que houve maior quantidade de registros detectados é entre 12h e 18h, com 283 casos observados (83,98%), seguido pelo horário das 6h01 às 11h59 (53; 15,73%) e das 18h01 às 23h59, representando apenas um caso (0,3%). Não houve registro entre meia-noite e seis da manhã.
Em termos de números de focos e anomalias térmicas por mês, observou-se que setembro (166; 49,26%) foi o mês mais crítico, seguido por outubro (99; 29,38%), enquanto o mês de agosto registrou 72 casos (21,36%).
Quando se analisa a média da PRF por mês, outubro foi o mês mais crítico (XPRF= 259,63 MW), com 95 registros de focos considerados altos (100 < PRF ≤ 600) com XPRF igual a 238,46 MW, seguido por quatro registros de grandes incêndios (PRF > 600 MW) que tiveram XPRF igual a 762,45 MW.
O segundo mês crítico foi Agosto (XPRF=187,98MW) com 72 registros de focos considerados altos (100<PFR<=600).
3) em relação ao perfil dos locais, dos 337 registros, a maioria (283; 83,48%) aconteceu em áreas verdes, das quais 178 (52,82%) ocorreram perto de áreas já destruídas, enquanto 105 (31,16%) em áreas perto de rios, lagos ou igarapés, sendo as hidrovias um dos principais meios de escoamento dos produtos derivados da destruição.
Os rios, lagos e igarapés preferidos pelos incendiários e que necessitam de maior vigilância e de ação preventiva do poder público para promover ações de desenvolvimento sustentável junto às comunidades ribeirinhas são: Rio Urubu (16 registros), Igarapé Paracurá (13), Igarapé Tapaiúna (11), Rio Atari (9), Lago Arumã (6), Rio Preto da Eva (5), Rio Curupira (5), Rio Amazonas (3), Igarapé Cinza, Lago do Moura (2), Igarapé Tapagem (2) e Lago do Papucu (1).
Por exemplo, uma das áreas verdes próximas de rio que sofreu maior poder de destruição está cerca de 366 metros distante do Rio Urubu e cerca de 592 metros distante da RM Pedras, passando por Amatari e comunidade de Lindóia. A localização é Latitude -3,015 e Longitude -59,057, com dois registros feitos em 20 de outubro de 2023, cujos valores de PRF são respectivamente 965 MW e 949,9MW. Cerca de 241 metros do foco há um espaço já destruído com área estimada em 47.295,60 m2 e perímetro de 1,76 km (ver Figura 12, disponível no link abaixo).
Para se ter ideia do desperdício do poder energético desse incêndio, se no Amazonas ou município de Itacoatiara houvesse uma gestão sábia das fontes energéticas, com a implantação de uma usina solar com capacidade anual de 965 MW, ela seria capaz de abastecer por um ano cerca de 965 casas, se levarmos em consideração o consumo médio mensal por casa de 200kWh e fator de eficiência de 20%. Tudo isso mantendo a floresta em pé gerando receita e dezenas de benefícios para a população.
4) as regiões mais críticas de Itacoatiara são:
1) Nossa Senhora do Perpétuo com cerca de 147 registros, ou seja, quase 44% do total de casos.
2) Amatari, com 131 registros (39%), com destaque para Caxinauá (36 registros), Casa Casimiro (35 registros), Caizônia (15 registros), Leal (15) e Lindóia (10). Aqui chama a atenção que “Casa Casimiro” aparece novamente, já que o mesmo nome foi identificado na comunidade Bom Sucesso localizada no entorno de Manaus, conforme publicado no JCAM há duas semanas passadas (https://tinyurl.com/yckpteky).
Além dessas regiões, há São Paulo (19 registros), Santa Maria (15), Vila Batista (4), São José (2) e Comunidade NS do Livramento (1). As figuras 12, 13 e 14, a geolocalização de cada um dos 337 registros, bem como as estatísticas básicas, estão disponíveis no depósito digital da Universidade de Harvard pelo DOI https://doi.org/10.7910/DVN/UOZQ5O.
Finalmente, é fundamental que as autoridades públicas, em especial os órgãos ambientais e de segurança, atuem com urgência para aumentar a fiscalização nas áreas críticas mapeadas, dando mais transparência no processo de identificação e responsabilização dos autores dos incêndios. Além disso, é necessário recuperar os locais degradados, com reflorestamento e apoio técnico aos agricultores da região, para que desenvolvam novas formas sustentáveis de gerar renda sem devastar irracionalmente a floresta.